Ponte de Laguna antecipa cronograma em cinco meses

Obra concentra todas as atenções do Dnit para ser entregue em dezembro de 2014 e será a maior ponte estaiada em curva do Brasil

Por: Altair Santos

Para o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) a ponte de Laguna - que oficialmente irá se chamar Ponte Anita Garibaldi - é a principal obra rodoviária em andamento no Brasil. Todos os esforços são para que o empreendimento tenha sua inauguração antecipada em cinco meses. A conclusão, antes prevista para maio de 2015, agora é prometida para dezembro de 2014.

Ponte estaiada na região de Laguna, em Santa Catarina: a maior em curva do país

A obra vai viabilizar a transposição das lagoas Imaruí e Santo Antônio, na região litorânea de Santa Catarina. "O objetivo, com a antecipação do cronograma, é atender a demanda de veículos na temporada do próximo verão", diz o coordenador da 16ª Unidade de Transporte Terrestre do escritório do Dnit em Florianópolis-SC, João José dos Santos. Para cumprir os novos prazos, o canteiro de obras atualmente opera com 1.541 operários trabalhando em três turnos (manhã, tarde e noite).

A construção faz parte da duplicação da BR-101 Sul e é financiada com recursos federais na ordem de R$ 597 milhões. Trata-se de uma estrutura de 2.830 metros de comprimento, com três vãos estaiados - o principal com 200 metros e os secundários com 100 metros cada. A estrutura estará suspensa por 60 cabos de aço (30 em cada um dos dois mastros de 61 metros).

O atual estágio da obra encontra-se na conclusão das 478 estacas, seguida da instalação dos 134 pilares e das 500 aduelas pré-moldadas, industrializadas no canteiro de obras. Em visita recente à obra, organizada pelo Instituto de Engenharia do Paraná, o professor de estruturas do curso de engenharia civil da UFPR, Rui Medeiros, definiu o empreendimento como uma aula de engenharia. "Aqui pode-se ver todo tipo de engenharia: engenharia de escoramento, engenharia de fundação, engenharia de estruturas metálicas e engenharia de concreto de protensão. É uma obra revelante", afirma.

Com a conclusão da etapa de fundações, obra avança e cronograma foi antecipado em cinco meses

Quando pronta, a Ponte de Laguna terá consumido 150 mil m³ de concreto estrutural. Será a segunda maior ponte estaiada do país - inferior apenas à estrutura que atravessa o Rio Negro, na região de Manaus-AM, que mede 3.595 metros e com vão de 400 metros. Em compensação, é a maior ponte estaiada em curva do país. A obra está sob a responsabilidade do consórcio Ponte de Laguna, formado pelos grupos Camargo Corrêa e Aterpa.

De acordo com seu projeto, a obra contará com duas pistas, sendo uma no sentido sul e outra sentido norte. Cada pista terá duas faixas de rolamento com 3,60 metros, mais uma faixa de acostamento com 3 metros e uma faixa central de segurança com 1,10 metro. O empreendimento também tem créditos socioambientais, o que lhe rendeu em 2013 o selo Chico Mendes, concedido por causa do reaproveitamento de materiais, pelo reúso de água e pelo envolvimento da obra com o desenvolvimento da comunidade local.

Entrevistados
Escritório do Dnit em Florianópolis-SC e Grupo Aterpa (via assessoria de imprensa)
Contatos
joao.santos@dnit.gov.br
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Créditos Fotos: Divulgação/Grupo Aterpa/Júlio César Knoll

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

A um mês da Copa, estádios ainda são incógnitas

Arena Corinthians, Arena da Baixada e Arena Pantanal não foram plenamente inaugurados e evidenciam fragilidade do Brasil em planejar grandes eventos

Por: Altair Santos

A Copa do Mundo começa dia 12 de junho, mas o Brasil ainda não pode dizer que está pronto para receber o evento. Simplesmente porque três equipamentos fundamentais para que o mundial de seleções aconteça ainda não estão 100% concluídos. São os casos dos estádios Arena Corinthians, em São Paulo-SP; Arena da Baixada, em Curitiba-PR, e Arena Pantanal, em Cuiabá-MT. As obras se transformaram em exemplo de como o Brasil não soube se planejar para receber a "festa do futebol".

Arena Pantanal: segurança da obra ficou em xeque com mortes de operários

O país foi confirmado pela Fifa em 2007, ou seja, teve sete anos para organizar a Copa. No entanto, a mobilização só começou em 2011. Obstáculos nos repasses de recursos, indefinição nas responsabilidades dos poderes federal, estadual e municipal e paralisações nos canteiros de obras são os principais motivos que levaram aos atrasos nos estádios que ainda faltam ser finalizados. Os três empreendimentos também enfrentaram problemas com segurança no trabalho.

Na Arena Corinthians houve três mortes de operários; na Arena Pantanal, uma morte e na Arena da Baixada, apesar de não ter ocorrido nenhum acidente fatal, o Ministério Público do Trabalho interditou a obra em outubro de 2013, sob a alegação de falta de segurança em algumas de suas áreas. Na época, o GMAI (Grupo Móvel de Auditoria de Condições de Trabalho em Obras de Infraestrutura do Ministério do Trabalho e Emprego) registrou 208 autos de infração no estádio.

"Jeitinho"
O encarecimento também serviu para atrasar as obras. No caso da Arena da Baixada, a previsão inicial era de que a reforma custasse R$ 131,1 milhões. O orçamento final saltou para R$ 330,7 milhões, o que gerou impasse sobre quem irá pagar a diferença. O Atlético-PR, dono do estádio, tenta dividir a conta com governo do Paraná e Prefeitura de Curitiba. Já os poderes público estadual e municipal alegam que o clube deverá assumir a diferença entre o orçamento inicial e o custo final da obra.

Arena Corinthians: acidentes e custo elevado quase comprometeram estádio da abertura da Copa

Na Arena Corinthians, o valor previsto inicialmente era de R$ 820 milhões. No entanto, a própria Construtora Odebrecht - responsável pela obra - admite que o empreendimento deverá fechar a conta em R$ 1 bilhão. O estouro do orçamento também é compartilhada pela Arena Pantanal. O estádio, inicialmente, custaria R$ 420 milhões, mas será finalizado em R$ 570 milhões - de acordo com dados da Construtora Mendes Júnior. A previsão é de que a obra esteja totalmente concluída no dia 24 de maio.

O prazo de 24 de maio também prevalece para as arenas Corinthians e da Baixada e os outros estádios que sediarão jogos da Copa. É quando os equipamentos deverão ser entregues para que a Fifa possa prepará-los para o mundial. Para o Tribunal de Contas da União (TCU) se tivesse havido planejamento, essa corrida contra o tempo poderia ter sido evitada. "A falta de planejamento é o principal motivo do atraso em obras que deveriam estar prontas para a Copa do Mundo. Faltou um projeto de governança para acabar com o jeitinho", critica o presidente do TCU, Augusto Nardes, referindo-se a todos os atropelos envolvendo o evento no Brasil.

Arena da Baixada: estádio era para ser o primeiro a ficar pronto, mas tornou-se o último

Entrevistado
Tribunal de Contas da União (via assessoria de imprensa)
Contato: imprensa@tcu.gov.br

Créditos Fotos: Divulgação/Secopa-MT/CAP/AS/ME

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Ranking de riscos logísticos mostra ameaças às obras

Professor Hélio Flávio Vieira, da Fundação Universidade Regional de Blumenau, defende que construção civil valorize planejamento logístico na obra

Por: Altair Santos

Professor do departamento de engenharia civil da FURB (Fundação Universidade Regional de Blumenau) Hélio Flávio Vieira fez uma revelação no Workshop 2014 Sobratema, que aconteceu recentemente em São Paulo-SP. Segundo dados pesquisados por ele, de cada 13 edifícios construídos no Brasil, dois poderiam ser erguidos com o material desperdiçado no canteiro de obras. "Isso acontece, por que a construção civil nacional é pouco desenvolvida em logística", alerta.

Hélio Flávio Vieira: especialista ranqueou os principais riscos logísticos que ameaçam os empreendimentos

Engenheiro civil por formação, Hélio Flávio Vieira elencou os porquês que fazem com que a construção civil gere perdas que estão acima dos registrados por outros setores produtivos. "Um motivo relevante é que trata-se de um segmento que não enfrenta competição externa. Além disso, há um déficit habitacional enorme no Brasil, que praticamente garante a venda de todos os empreendimentos, independentemente da qualidade", relaciona o especialista.

Isso, segundo analisa Vieira, não estimula o empresário do setor a melhorar, o que gera um verdadeiro ranking de riscos para as obras. Entre eles, desperdício de materiais, falta de planejamento no canteiro de obras, ausência de padronização, técnicas construtivas não racionalizadas, descontinuidade produtiva, falta de integração entre projetos estrutural, elétrico e hidráulico, logística pouco desenvolvida, falta de tecnologia de informação, baixa manutenção de equipamentos e treinamento inexistente.

Hélio Flávio Vieira faz uma comparação. "No Japão, leva-se um ou dois anos para se planejar um prédio e seis meses para construir. No Brasil, seis meses para planejar e três anos para construir", afirma. Para ele, a fim de que o país reverta esse quadro, a mudança deve começar nas escolas de engenharia. "Faltam horas de disciplinas voltadas para processos industrializados da construção e sobram horas sobre o concreto armado. O engenheiro precisa conhecer sistemas construtivos e saber optar pelo melhor para cada empreendimento", cita.

Outras soluções listadas pelo especialista para que o país melhore o tempo e a qualidade de suas obras passam por planejamento logístico do canteiro, redução do retrabalho, investimento na industrialização, abertura à tecnologia da informação, estabelecimento de parcerias entre construtoras e fabricantes de materiais, para que pensem a logística de forma integrada, além de maior destinação de recursos para a qualificação de profissionais. "São procedimentos como esses que reduzem significativamente o risco de improvisações no canteiro de obras", define Hélio Flávio Vieira.

Entrevistado
Hélio Flávio Vieira, graduado em engenharia civil, pós-graduado em engenharia de produção, com mestrado e doutorado na área de logística e transporte pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor do departamento de engenharia civil da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB).
Contato: hfvieira@furb.br

Crédito Foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Principal função da norma para reformas é educar

Como a NBR 16280:2014 não tem força de lei, seu principal legado é conscientizar o consumidor sobre risco de alterar imóvel sem orientação técnica

Por: Altair Santos

Desde 18 de abril está em vigor a ABNT NBR 16280:2014 da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que estabelece sistema de gestão e requisitos de processos, projetos, execução e segurança de reformas. A norma define que qualquer obra que altere ou comprometa a segurança de uma edificação já construída, ou de seu entorno, precisará ser submetida à análise da construtora/incorporadora e do projetista, desde que ainda esteja dentro do prazo de garantia. Caso contrário, será exigido laudo técnico assinado por engenheiro civil ou arquiteto. Com base em parecer de um destes especialistas, o síndico ou a administradora poderão autorizar, autorizar com ressalvas ou proibir a reforma, caso entendam que ela irá colocar em risco o prédio.

Flávio Figueiredo, do IBAPE: norma deixa implícito que troca de revestimento é reforma

Na interpretação do engenheiro civil Flávio Figueiredo, conselheiro do IBAPE-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícia de Engenharia de São Paulo) a principal função da ABNT NBR 16280:2014 é educar. "A população precisa ter consciência de que se deve fazer uma reforma tomando todos os cuidados técnicos devidos. Contratando profissionais habilitados, sairá um trabalho com maior qualidade, maior durabilidade, com menos desperdício e com maior segurança. Aquilo que aparentemente paga-se a mais irá reverter em economia imediata ou a médio prazo. Falta esta cultura, pois no Brasil as pessoas tendem a não usar estes profissionais e consequentemente não atender a norma. A tendência é que, se não houver uma conscientização, esta norma voluntariamente não será utilizada", avalia.

Flávio Figueiredo entende que, por não ter força de lei, a nova norma dificilmente causará efeito onde ela realmente deveria agir, que é nas reformas de imóveis de classes mais populares, e que movimentam o chamado mercado formiguinha da construção civil. "Estas obras normalmente são feitas sem nenhum tipo de supervisão técnica, e não acredito que a norma cause impacto neste público, pois se não houver lei especificando não há como punir alguém", diz, afirmando que o texto não inclui apenas reformas em prédios, mas em qualquer edificação. "Teoricamente, ela seria aplicável a todo o tipo de reforma", explica.

Tragédia provocou norma
Ainda de acordo com o especialista, a norma também deveria ser mais clara ao definir o que é reforma e o que é manutenção. Por exemplo: trocar azulejos e piso de áreas úmidas de um imóvel exige o cumprimento da norma? "Esta é uma grande dúvida, pelo tipo de material empregado e pelo tipo de movimentação que é feita no imóvel. Pela tabela A1 da norma, a troca de revestimentos pode ser interpretada como reforma. Mas se for levar ao pé da letra, a troca de azulejos de cozinhas ou banheiros precisa atender outras normas", diz, reforçando que, por isso, é importante contratar uma supervisão técnica para as reformas. "Hoje, o que acontece: temos muitos serviços que deveriam ser supervisionados por engenheiros e arquitetos e não são. A gestão das reformas é um deles", finaliza.

O meio técnico da construção civil decidiu trabalhar pela criação da ABNT NBR 16280:2014 após o desabamento do Edifício Liberdade, de 20 andares, e de mais dois prédios, no centro do Rio de Janeiro, em 25 de janeiro de 2012. O acidente foi provocado por reformas irregulares e causou a morte de 22 pessoas.

Entrevistado

Engenheiro civil Flávio Figueiredo, conselheiro do IBAPE-SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícia de Engenharia de São Paulo) e diretor da Figueiredo & Associados Consultoria
Contatos
www.ibape-sp.org.br
flaviofigueiredo@consultores.eng.br
atendimento.sp@abnt.org.br

Crédito Foto: Divulgação/André Labate

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Falta de especialização torna crítica segurança do trabalho

Segundo dados recentes da Previdência Social, índice de acidentes aumenta, principalmente, pela falta de qualificação da mão de obra

Por: Altair Santos

Dados da Organização Internacional do Trabalho apontam que, no Brasil, morrem anualmente 57 mil pessoas vítimas de acidente de trabalho. A metodologia do organismo leva em consideração, inclusive, óbitos causados por doenças relacionadas ao trabalho. Já os números do DataSUS - banco de dados da Previdência Social - são bem mais modestos. Consideram apenas como três mil por ano as mortes causadas por acidentes de trabalho, mas se limita às ocorrências registradas somente no ambiente da empresa. Essas estatísticas controversas foram reveladas pelo diretor estadual do Sintesp (Sindicato dos Técnicos de Segurança do Estado de São Paulo) Cosmo Palasio de Moraes Jr., em recente palestra no Workshop 2014, promovida pela Sobratema em São Paulo-SP.

Palasio de Moraes Jr: na Espanha, a segurança do trabalho hoje é modelo. Tem norma até para uso de espátula

Independentemente da estatística que for levada em consideração - se da OIT ou do DataSUS -, Palasio alerta que a construção civil tem um percentual significativo no volume de acidentes. "Pelo menos 40% destas mortes ocorrem em canteiros de obras", estima, afirmando que a falta de especialização dos profissionais contratados é um dos fatores que ajudam a tornar crítica a segurança do trabalho dentro do setor. "Há pouco treinamento. O pessoal avalia que instalar a CIPA basta, quando a realidade é outra. Estudos revelam que trabalhadores submetidos a atividades de risco costumam, com o decorrer do tempo, sofrer um processo de desligamento do cérebro para o perigo. Significa que se o trabalhador estiver em um andaime, a 50 metros de altura, ele não avaliará o risco. Para minimizar o perigo, é preciso treinamento", diz.

Palasio alertou que o Brasil tem uma boa legislação, mas é mal trabalhada. Ele citou como exemplo a NR 35 (Norma Regulamentadora sobre trabalho em altura) a qual permite rastrear com precisão os cumprimentos das regras de segurança. No entanto, ele destaca que apenas leis não bastam. "É preciso investir na mudança de comportamento das pessoas. Cultura não se muda com lei", destaca, citando como exemplo o trabalho feito na Espanha ao longo de um período de dez anos. "A Espanha liderava os acidentes de trabalho na Europa. Até que o país decidiu dar uma guinada na segurança de trabalho. O país investiu em treinamento e também em pesquisa sobre equipamentos para melhorar a segurança no trabalho. Resultado: hoje, lá, existe espátula para tudo dentro do canteiro de obras", relata.

Prejuízo às exportações
O diretor estadual do Sintesp alerta que o Brasil, por conta dos números da OIT, enfrenta dificuldades para exportar seus produtos. "Em alguns países há sobretaxa sobre os manufaturados nacionais, pois lá fora as empresas brasileiras têm o rótulo de mutiladoras de trabalhadores. Quando não há sobretaxa, o importador pede documentos que comprovem que a empresa tem baixo índice de acidentes de trabalho, ou seja, a extensão deste problema atinge a imagem do país lá fora", comenta Cosmo Palasio de Moraes Jr. De acordo com dados da OIT, o Brasil é o quarto país no mundo em número de acidentes de trabalho, atrás apenas de China, Estados Unidos e Rússia.

Números da OIT sobre segurança e saúde no trabalho
•    2,02 milhões de pessoas morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com o trabalho.
•    321 mil pessoas morrem a cada ano como consequência de acidentes no trabalho.
•    160 milhões de pessoas sofrem de doenças não letais relacionadas com o trabalho.
•    317 milhões de acidentes laborais não mortais ocorrem a cada ano.
•    A cada 15 segundos, um trabalhador morre de acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho.
•    A cada 15 segundos, 115 trabalhadores sofrem um acidente laboral.

Entrevistado
Cosmo Palasio de Moraes Jr., especialista em segurança no trabalho e diretor estadual do Sintesp (Sindicato dos Técnicos de Segurança do Estado de São Paulo)
Contato: sintesp@sintesp.org.br

Crédito Foto: Divulgação/Sobratema

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Por que grandes obras levam décadas para ficar prontas?

Exigências ambientais impostas por União, Estados e municípios chegam a paralisar empreendimentos de infraestrutura por até duas décadas no Brasil

Por: Altair Santos

Desde que a lei ambiental brasileira foi promulgada, em 1998, nenhuma obra de infraestrutura consegue começar no país sem que tenha a licença ambiental para instalar canteiro de obras e viabilizar o empreendimento. Pensar em não cumprir à risca o que determina a legislação é flertar com o risco. Por isso, o recomendável é que nenhuma construtora participe de uma obra de grande porte sem que faça a gestão de impacto ambiental. "A questão ambiental está extremamente associada à paralisação de obras. É um risco que, para o empreendedor, é terrível. Estamos falando de uma das legislações mais rigorosas e completas do mundo, que impõe multas altas e penalizações duras. Para enfrentá-la, é preciso mensurar, planejar e organizar", alerta o geólogo e consultor ambiental Fernando Kertzman.

Serra do Cafezal, na rodovia Régis Bittencourt: embargos ambientais atrasaram obras por mais de 20 anos

O especialista afirma que tem dois tipos de empreendedores na construção civil: aquele que gerencia o risco ambiental, previne e corrige para evitar a multa, e aquele que ainda vê o meio ambiente como um empecilho e burocracia. "Meio ambiente é parte do negócio. Quem entender isso, vai se dar melhor. Quem entender que é coisa de ambientalista, pode ter problemas", frisa Kertzman, elogiando que de dez anos para cá a construção civil está entendendo melhor esse tema, principalmente por que diagnosticou que passivo ambiental tem impacto direto no custo. "A gestão de risco ambiental subentende planejamento. Se organizar para enfrentar licenciamento ambiental é se organizar para não deixar passivos ambientais depois da obra", completa. Sua palestra ocorreu durante o Workshop 2014 da Sobratema.

Bom e mau exemplo
Duas obras são emblemáticas sobre fazer a gestão ambiental correta e incorretamente. Uma decisão acertada foi realizada no Rodoanel, que ainda está em construção para desviar o tráfego pesado da cidade de São Paulo. "Um bom exemplo de liberação de licença ambiental foi conseguido no Rodoanel. Optou-se por uma avaliação estratégica, que conseguiu a liberação por trechos. Mesmo assim, demorou dez anos para o empreendimento obter o licenciamento", cita o consultor ambiental, afirmando que o tempo foi relativamente curto se comparado com a demora para se conseguir a licença ambiental para a obra na rodovia Régis Bittencourt, no trecho que corta a Serra do Cafezal. "O licenciamento ambiental definitivo tramita há 25 anos. Neste período, a obra foi embargada, reiniciada, reembargada, sofreu uma ação civil pública, houve a concessão da rodovia e o licenciamento teve que ser refeito. É um clássico de como não se deve fazer gestão ambiental de empreendimentos."

Fernando Kertzman: questão ambiental é ligada a atrasos de obras, mas há como mensurar, organizar e reduzir o risco

Fernando Kertzman avalia que o licenciamento ambiental tem um trâmite contraditório. Enquanto a legislação afirma que a licença federal basta, na prática não funciona assim: os licenciamentos estaduais e municipais também precisam ser expedidos. A burocracia também é outro obstáculo, já que se exige a licença prévia, a licença de instalação e a licença de execução. "O risco principal destas licenças é que não existe nenhuma regra que defina o prazo para liberação. Hoje, esse prazo é político. A parte técnica que representa 20% e 80% é político. Isso exige uma gestão diária junto aos organismos", diz. O especialista ressalta ainda que o planejamento do impacto ambiental começa na análise do edital. "Há muitos editais que trazem surpresas ambientais nas entrelinhas. Muitas vezes, o empreendedor ganha a obra, mas leva de brinde uma área contaminada ou uma fauna em extinção, o que exige que ele monte um departamento ambiental para fazer a gestão destes passivos", finaliza.

Entrevistado
Fernando Kertzman, geólogo e diretor da GEOTEC - Consultoria Ambiental
Contato: http://www.geotecbr.com.br/site/contato
Créditos Fotos: Divulgação/Cia. Cimento Itambé

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Reúso de água funciona se vier contemplado no projeto

Tecnologia gera empresas especialistas em planejar esse tipo de obra, mas implantá-la em prédios já construídos encarece investimento

Por: Altair Santos

O reuso de água está na moda. Desde que as certificações para empreendimentos imobiliários chegaram ao Brasil, os projetos que reaproveitam o recurso natural só fazem crescer. A ponto de influenciar também o setor industrial. Hoje, de cada dez plantas concebidas para que se construa uma fábrica, seis investem no reuso de água.

Enrico Freire: indústrias são as que mais investem em reúso de água

O objetivo é sempre ampliar a produção sem aumentar o consumo do bem natural no processo de fabricação. Mas há uma ressalva feita por especialistas: se a tecnologia de reuso não for concebida durante a fase de projeto da edificação, seja ela para fins residenciais, comerciais ou industriais, nem sempre o custo-benefício que se deseja é alcançado.

É o que explica o engenheiro químico e ambiental Enrico Freire, especialista em implantar reúso de água em unidades industriais. "Quando a tecnologia é incorporada ao projeto, as principais mudanças ocorrem na rede de distribuição de água e em sistemas de tratamento. Com suporte técnico adequado, os custos envolvidos são normalmente baixos frente aos valores investidos no complexo industrial", diz.

O engenheiro alerta que viabilizar a tecnologia em fábricas já construídas é possível, mas nem sempre se obtém bons resultados. "Neste caso, dependendo do tipo de construção, o prazo de retorno do investimento pode deixar o projeto pouco interessante financeiramente. Se considerarmos que a água é um recurso finito, existirão empresas que sempre considerarão esse tipo de investimento viável. O melhor é pensar nos detalhes construtivos do prédio, durante o projeto. Isso reduz consideravelmente os custos de implantação de sistemas de reúso", completa.

Gestão integrada
As indústrias têxtil e de beneficiamento de proteína animal são as que mais investem em reúso de água. Normalmente, essas fábricas se instalam em áreas com restrição de acesso a recursos hídricos ou em regiões onde o custo da água é elevado. No entanto, outros setores também se beneficiam da tecnologia. "Atualmente, em projetos de maior ou menor escala, todos os segmentos têm buscado opções de reaproveitamento de seus efluentes", afirma Enrico Freire.

Unidades concebidas para usar a tecnologia do reúso de água têm maior custo-benefício

Segundo o especialista, os projetos de implantação de reuso de água sempre são customizados e o objetivo é que o investimento seja amortizado em, no máximo, dois anos. "A economia de dinheiro está muito relacionada ao custo da água e ao local onde ela é consumida. Esses valores podem ser extremamente baixos a ponto de inviabilizar um projeto ou ter períodos de payback (retorno de investimento) inferior a dois anos. Cada caso deve ser analisado separadamente", comenta.

No mundo, os países que mais investem em reuso de água são Dinamarca, Bélgica, Alemanha e Austrália. Eles utilizam sistemas que o Brasil importa, como a gestão ambiental integrada. Nesta tecnologia, se faz o gerenciamento dos recursos hídricos, do reaproveitamento de chuvas e do tratamento de efluentes, integrando-os de acordo com a necessidade da fábrica. Outro modelo é a técnica de Pinch, no qual se avalia a qualidade da água e se define onde ela será aplicada.

Entrevistado
Engenheiro químico e ambiental, Enrico Freire, gerente de negócios do segmento ÁGUA e AR da Essencis Engenharia e Consultoria
Contato: comercialec@essencis.com.br

Crédito Foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Consumidor aceita pagar mais por Norma de Desempenho

Pesquisa do Instituto Sensus, encomendada pela CBIC, mostra que quem compra imóvel também busca qualidade, inovação e tecnologia

Por: Altair Santos

Se depender do consumidor, a Norma de Desempenho (ABNT 15575 - Edificações habitacionais - Desempenho, partes 1, 2, 3, 4, 5 e 6) irá se consolidar no mercado da construção civil. Recente pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) ao Instituto Sensus mostra que quem compra imóvel está cada vez mais preocupado com a qualidade da habitação e se dispõe, inclusive, a pagar mais por isso. Segundo o levantamento, 81,9% dos entrevistados apontaram que buscam, além de edificações bem construídas, inovações tecnológicas incorporadas ao empreendimento.

Paulo Safady Simão: pesquisa confirma sentimento do mercado, de que consumidor está cada vez mais exigente

Para o presidente da CBIC, Paulo Safady Simão, os dados da pesquisa mostram o que o mercado já sentia. "O resultado desse trabalho inédito comprova o que até então era apenas um sentimento do mercado, ou seja, as pessoas que estão adquirindo ou planejam comprar um imóvel estão cada vez mais exigentes com a qualidade da moradia", diz. "O estudo fortalece, inclusive, os argumentos utilizados pela indústria da construção em seu diálogo com o governo federal no sentido de levar a inovação tecnológica ao Programa Minha Casa Minha Vida", completa.

O Instituto Sensus ouviu 1.100 pessoas em 23 estados, mais o Distrito Federal. De acordo com o presidente da CBIC, outro dado interessante da pesquisa é que a exigência por qualidade independe da renda familiar que está viabilizando a compra do imóvel. "Um dos aspectos mais importantes desse estudo foi a possibilidade de comprovarmos, pela primeira vez, que mesmo as famílias com renda mais baixa aprovam pagar mais caro para ter inovações em suas casas. Isso, claro, desde que essas modernidades proporcionem mais qualidade de vida e redução de custos de manutenção ao longo da vida útil do empreendimento", explica.

Impacto na cadeia produtiva
Paulo Safady Simão entende que o resultado da pesquisa não induzirá o mercado a elevar os preços dos imóveis. Pelo contrário, será lido como um reconhecimento do cliente em agregar valor ao seu imóvel através do acesso a produtos de qualidade, que, na medida em que forem consumidos em maior escala, tendem a baratear custos. "Sabendo como os consumidores veem a inovação, os empresários de toda a cadeia produtiva da construção podem planejar melhor os necessários investimentos. O aumento em escala do uso de novas tecnologias, máquinas e produtos fará com que os custos se tornem gradativamente menores e permitirá avanços em todos os níveis de empreendimentos", avalia.

A pesquisa apurou ainda que, entre os entrevistados, 78,5% têm renda de até cinco salários mínimos, e 13,6% de cinco a dez salários mínimos. Outro dado trazido pelo estudo é que o consumidor mudou a maneira de escolher um imóvel.  Antes, a boa localização era o mais importante. Agora, pesam na escolha a segurança e a economia de recursos. Entre os pesquisados, 31,5% procuram um lugar "calmo"; 20,6%, “boa localização”, e 11,2%, "conforto”.

Veja aqui a pesquisa na íntegra.

Entrevistado
Engenheiro civil Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
Contato: comunica@cbic.org.br

Crédito Foto: Erivelton Viana/CBIC

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Arquitetura penal obedece diretrizes específicas

Para atuar nessa área, profissional precisa buscar especialização fora do país ou atuar em escritórios que trabalham com esse tipo de projeto

Por: Altair Santos

A alta complexidade de um projeto para construir presídios requer formação específica para esse tipo de obra, tanto para engenheiros civis quanto para arquitetos. O problema é que no Brasil há poucas referências e sequer disciplinas sobre como projetar e erguer um empreendimento deste tipo. Nas graduações e nas pós-graduações, revela a arquiteta Suzann Cordeiro, há escolas que, inclusive, discriminam esse tipo de obra.

Suzann Cordeiro: país tem normatização para construir presídios, mas faltam especialistas

Fora do país, segue-se um caminho contrário. Existem até escritórios de engenharia e arquitetura que trabalham unicamente para projetar e construir presídios. Trata-se de obras em que grande investimento em tecnologia, principalmente na do concreto. É o que revela Suzann Cordeiro, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e consultora na área de arquitetura penal. Confira a entrevista:

Um projeto de unidades destinadas ao custodiamento de pessoas possui diversas características especiais. Quais são as principais?
O principal desafio de um projeto de unidade penal é o equilíbrio entre segurança e a dita “ressocialização”. Por ser um espaço com alta complexidade programática, já que demanda serviços de saúde, educação, trabalho, custodiamento, alojamento, serviços industriais e grande aglomeração de pessoas, a preocupação com cruzamento de fluxos, dimensionamento adequado, ventilação e iluminação suficientes, além de minimização do potencial violento da população atendida, são complicadores para a solução espacial. Também é preciso cuidar para que a própria estrutura construída não possibilite a subversão, com a produção de armas com as ferragens, que são transformadas em ‘espetos’. As especificações técnicas necessitam ser específicas para características de alta resistência antivandálica, entendendo-se que esta resistência não se resume à resistência a impactos ou fogo.

Em termos de normas, quais as internacionais de segurança construtiva e acessibilidade que precisam ser cumpridas?
Não existem normas internacionais específicas para a segurança construtiva ou para a acessibilidade em edifícios de custodiamento. Em parte, isto se explica pela necessidade de entender o sistema penal específico de cada país e, consequentemente, a gestão prisional. Além disso, cada unidade, a depender do perfil de atendimento (masculino/feminino; regimes fechado/semiaberto/aberto; público provisório/condenado), apresenta especificidades de funcionamento, de fluxos e de usuários. Existem as regras mínimas da ONU, assim como alguns tratados internacionais (Tratado de Bangkok e Pacto de San Jose, entre outros) que exigem condições mínimas de atendimento, impactando em características espaciais. Mas não há nada específico.

Presídio de segurança máxima em Porto Velho - RO: concreto de 120 MPa

E no Brasil, segue-se uma normativa?
No Brasil, em 1994 foram criadas as diretrizes básicas para os projetos de estabelecimentos penais (Resolução nº 16, de 12 de dezembro de 1994) pelo Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária (CNPCP) na tentativa de normatização da Arquitetura Penitenciária, revisada em 2005, e revogada pela Resolução nº 3, de 18 de fevereiro de 2005. Ambas, traziam discussões sobre zoneamento, programa de necessidades e funcionamento dos edifícios destinados à aplicação da pena. No entanto, ainda não incorporavam o conceito de vaga de forma mais abrangente, considerando demandas e não apenas celas, ou mesmo questões de adequação ambiental, eficiência energética, sustentabilidade etc. Apesar dos avanços contidos nesta resolução, continuavam imperando espaços voltados à segregação e segurança, com dimensões dos ambientes fixas, sem considerar a quantidade de usuários, ou seja, não havia reflexões de racionalização dos espaços, das dimensões e das especificações necessárias a cada ambiente. Em 2011, houve uma nova revisão da normatização acerca da Arquitetura Penitenciária, através das Diretrizes para Arquitetura Penal (Resolução nº 9, publicada em 18 de novembro de 2011) da qual eu participei como conselheira do CNPCP. Acredito que, a partir da nova resolução e seus desdobramentos, surge uma perspectiva mais inovadora e integrada dos aspectos de segurança, inclusão social, direitos humanos e sustentabilidade (econômica, social e ambiental) de maneira a exigir, dos projetistas, reflexões mais integradas e mais aprofundadas na concepção dos estabelecimentos penais, o que considero ser uma contribuição importante do Brasil para os demais países.

Quanto às normas da ABNT, quais as que um projeto desta natureza precisa atender?
Não existem normas específicas para a construção de estabelecimentos penais. Porém, a Res.9/2011 especifica, nas suas referências bibliográficas, a seguinte relação de normas a serem consideradas:

1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220/2003: zonas bioclimáticas do Brasil.
2. NBR 9050/2004: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
3. NBR 6492/1994: representação de projetos de arquitetura.
4. NBR13532/1995: elaboração de projetos de edificações.
5. NBR 5626/1998: instalações prediais de água fria.
6. NBR 5648/1999: sistemas prediais de água fria – tubos, conexões de PVC 6,3, PN 750 kPa, com junta soldável – Requisitos.
7. NBR 8160/1999: instalações prediais de esgoto sanitário.
8. NBR 5410/2004: instalações elétricas de baixa tensão.
9. NBR 5413/1992: iluminância de interiores.
10. NBR 5473/1986: instalações elétricas prediais.
11. NBR 7198/1993: projeto e execução de instalações de água quente.
12. NBR 13.932/1997: instalações internas de gás liquefeito de petróleo (GLP) – projeto e execução.
13. NBR 13.933/1997: instalações internas de gás natural (GN) – projeto e execução.
14. NBR 9575/2010: impermeabilização – seleção e projeto.
15. NBR 6023/2000: informação e documentação: referência – elaboração.
Ainda assim, cabe aos projetistas atentarem para as especificidades deste tipo de construção, pois muitas das sugestões das normas não podem ser utilizadas neste uso específico, por questões de segurança, como por exemplo, a colocação de extintores dentro de módulos de alojamentos, pois os mesmos podem ser utilizados como arma pelos detentos.

Para quem quer atuar nesta área, seja arquiteto ou engenheiro, as universidades brasileiras têm disciplinas voltadas a isso?
Não. Inclusive, tenho recebido diversos e-mails de alunos, pedindo ajuda para convencer os professores sobre a elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), porque alguns consideram que isto não é arquitetura. A este respeito, gostaria de enfatizar a gigantesca necessidade de soluções técnicas para o atendimento da população que vivencia o espaço prisional, que não se restringe apenas a criminosos. Temos agentes penais, profissionais de saúde, educação, psicologia, religiosos, visitantes, os quais não deveriam cumprir penas de reclusão, pois estão a serviço do estado, mas que, por estarem vivenciando ambientes insalubres, inadequados, fechados, opressores, também desenvolvem problemas de saúde. Além disso, a população presa tem uma maior propensão de contágio de tuberculose e hanseníase (conforme dados da coordenação de saúde prisional MS) e que precisa de ambientes que minimizem este contágio. É preciso ficar claro que o ambiente prisional impacta na saúde de milhares de pessoas, ainda que não estejam presas. Deste ponto de vista, defendo a necessidade e a urgência de pesquisa e ensino voltados para a compreensão deste espaço, pois ele precisa ser adequadamente projetado.

Sobre especialização, existem cursos na área de arquitetura prisional?
Não existe. Temos tentado implantar uma especialização a distância, com o corpo docente já preparado para tal desafio, porém a burocracia para a contratação dos professores e recursos para o curso têm dificultado enormemente esta capacitação de profissionais. Vale destacar que a realidade prisional não é facilmente compreendida e depende de aspectos sociais, culturais e psicológicos inerentes a cada lugar. Portanto, se faz necessária a realização de pesquisas e de transparência, para que consigamos transpor o obstáculo da opacidade prisional para projetarmos melhores espaços.

Em outros países, o profissional que quer se especializar nesta área pode optar por quais caminhos?
Existem escritórios cujo foco é, exclusivamente, projetar prisões. Porém, não há especializações em nível de pós-graduação. O que há, é a experiência adquirida com os projetos realizados.

O concreto predomina nestas construções?
Sim. Acredita-se que seja a especificação técnica que garante maior segurança. Porém, como eu disse anteriormente, a própria sustentação do concreto já propicia subversões, tais como fabricação de armas. As pesquisas relacionadas ao concreto têm avançado no sentido de maior resistência (temos concretos que chegam a apresentar 120 MPa de resistência) mas esta resistência a impacto não anula a capacidade criativa deste usuário, em especial. Além disso, dependendo das condições bioclimáticas locais, este não é um material adequado à manutenção do conforto bioclimático dos ambientes, o que pode impactar no aumento do estresse do usuário e, consequentemente, da violência no interior da cadeia.

Um presídio de segurança máxima, por exemplo, requer quantos m3 de concreto, pegando os modelos brasileiros?
Isto depende do projeto arquitetônico, mas eu não tenho dados suficientes. Não consigo responder a esta pergunta, porque não se consegue, facilmente, acesso aos projetos ou especificações técnicas dos projetos de unidades penais. O argumento - no meu entendimento bastante equivocado - é a segurança. Os gestores acreditam que a publicidade dos projetos prejudica a segurança das unidades. Infelizmente, este argumento é utilizado para inviabilizar pesquisas e avanços técnicos e tecnológicos nesta área.

A industrialização, através de pré-fabricados e pré-moldados, também está presente neste tipo de obra?
Está sim, e em curva ascendente. Temos um déficit gigantesco de vagas e a industrialização consegue diminuir o tempo de execução das obras, atendendo a urgência. Concretos de Alto Desempenho, autoadensáveis e impermeáveis têm sido utilizados para a pré-fabricação de celas, que são transportadas para as obras já montadas. Mas ainda temos no Brasil poucas empresas com este tipo de serviço. Nesse sentido, as universidades poderiam trabalhar para difundir esta tecnologia, bem como outras pesquisas relacionadas a esta área específica, dada a complexidade do tema, que considera ainda soluções técnicas e tecnológicas para demandas de respostas interdisciplinares. De uma maneira geral, a necessidade de compreensão do comportamento de materiais com maior grau de complexidade, dadas as demandas especiais deste tipo de construção, refletidas no desenvolvimento de novas técnicas de materiais construtivos, se configura como claro exemplo de necessidade de investimento tecnológico neste setor.

Entrevistada
Arquiteta Suzann Cordeiro, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Projetos Especiais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e consultora na área de arquitetura penal, além de doutora em psicologia
Contatos
secfau.ufal@gmail.com
coordenacao.aurb@fau.ufal.br
www.suzanncordeiro.com

Crédito Foto: Divulgação/Construtora Porto Belo

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330

Regime que apressa licitações ameaça qualidade das obras

Medida Provisória permite contratação diferenciada, mas é criticada pelo setor da construção civil e por especialistas do direito público

Por: Altair Santos

O setor da construção civil observa com ressalvas o trâmite da medida provisória (MP 630/13) que institui o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) e dia 9 de abril de 2014 passou pela Câmara Federal. O Senado tem até 3 de junho para votar a MP, que, caso seja aprovada, vai para a sanção da presidência da República. O RDC simplifica as contratações do poder público, mas é visto por organismos que unem engenheiros e arquitetos como um agravante que gera riscos de desvios nas contratações públicas. O argumento deles é de que “quem projeta, não constrói, quem constrói não faz projeto”. Em tese, a preocupação é de que, ao permitir a contratação pelo projeto básico ou anteprojeto, a MP 630/13 abra brecha para o superfaturamento, tornando como regra comum os chamados aditivos de obras.

Plenário da Câmara aprovou MP, que agora precisa passar pelo Senado e ser sancionada pela presidência

De acordo com o presidente do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) Sérgio Magalhães, licitações sem projeto completo têm reflexos na qualidade da obra. “Defendemos que as licitações sejam feitas com projeto completo. Sem isso, a qualidade das obras se torna questionável, propicia aditivos, aumento de preços e outros problemas já identificados pelo próprio governo”, afirma o dirigente. Além do IAB, são contrários ao RDC os seguintes organismos: Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (FNA), Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), Sindicato da Arquitetura e Engenharia (Sinaenco), a Associação Nacional dos Servidores Públicos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (ANSEAF).

Outro organismo que se pôs na linha de frente contra o RDC foi o SindusCon-SP.  Em recente boletim, intitulado "Risco de retrocesso", o organismo faz a seguinte alegação: "O RDC introduz mais incertezas. Retira a transparência do processo licitatório, ao não divulgar os valores de referência atribuídos pelo governo às obras. Ao permitir que a mesma empresa elabore o projeto executivo e o realize, levanta dúvidas sobre a qualidade da obra e abre a possibilidade de a concorrência ser dirigida, com a antecipação de informações a determinado licitante, que teria mais tempo para trabalhar o projeto."

Melhor preço
O RDC foi proposto pelo governo e aprovado pelo Legislativo, inicialmente, para acelerar as obras destinadas à realização da Copa do Mundo, da Copa das Confederações e dos Jogos Olímpicos de 2016. Posteriormente foi estendido a obras do programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Sistema Único de Saúde (SUS) e do sistema público de ensino. Com o projeto aprovado na Câmara, o regime foi estendido a todos os contratos de obras e serviços de engenharia de todos os órgãos da administração pública federal, estaduais e municipais. "Uma das modificações introduzidas pelo RDC é o julgamento da licitação primeiro pelo menor preço, para só depois proceder ao exame da habilitação técnica das concorrentes. Esta inversão do que preconiza a Lei de Licitações pode levar administradores públicos a desconsiderarem eventual ausência de qualificação técnica da empresa, o que no futuro levará à paralisação de obras", alerta boletim do SindusCon-SP.

Outro crítico do RDC é o especialista em direito público Jacoby Fernandes. Segundo ele, há a necessidade da proposta ser alterada para prever a qualificação do servidor público que irá operar o RDC. "Imagine uma nova lei extremamente complexa como é o RDC. As pessoas dizem: é muito fácil. Não, não é. Eu sou um especialista na área e afirmo que essa lei é uma lei difícil. Por exemplo, se uma empresa que começou uma obra em contratação integrada desiste de fazê-la, a lei diz: chama o segundo colocado. Mas o segundo colocado pode ter metodologia diferente, cobrar mais e estender o prazo da obra. E a lei não resolveu", diz.

Outro lado
A alegação do governo federal para acelerar a aprovação do RDC é de que, sem ele, não conseguirá encaminhar uma série de obras de infraestrutura que já dispõem de recursos, mas estão barradas pelos organismos fiscalizadores. De acordo com mensagem encaminhada ao Congresso, primeiramente a medida provisória permitirá investimento de R$ 7,3 bilhões no desenvolvimento da aviação regional, liberando R$ 1,7 bilhão, para 67 aeroportos da região norte; R$ 2,1 bilhões, para 64 aeroportos regionais do nordeste; R$ 924 milhões, para 31 aeroportos no centro-oeste; R$ 1,6 bilhão, para 65 aeroportos no sudeste, e R$ 994 milhões, param 43 aeroportos do sul.

Clique aqui e entenda o que é o Regime Diferenciado de Contratações:

Entrevistados
- Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção do Estado de São Paulo)
- Advogado  Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, mestre em direito público, professor de direito administrativo, escritor, consultor, conferencista e palestrante

Contatos
comunicacao@iab.org.br
sindusconsp@sindusconsp.com.br
http://www.jacoby.pro.br/novo

Crédito Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330