Tradução de norma internacional agora permite que meio técnico tenha parâmetros para verificar se um bairro ou cidade são sustentáveis
Por: Altair Santos
A NBR ISO 37120:2017 é a primeira norma técnica para cidades sustentáveis. Ela define 100 indicadores, envolvendo aspectos ambientais, econômicos, sociais e tecnológicos que devem nortear projetos desta natureza no Brasil. A coordenação da Comissão de Estudos Especial 268 da ABNT (CEE 268) esteve a cargo do professor-doutor do Departamento de Engenharia de Construção Civil (PCC) da Escola Politécnica (Poli) da USP, Alex Abiko.
A NBR ISO 37120:2017 é uma norma espelho da internacional. Alex Abiko atuou no estudo e na tradução da norma internacional já existente para esse tema: ISO 37120:2014 – Sustainable development of communities – Indicators for city services and quality of life. Para o professor-doutor da USP, a partir de agora o Brasil tem parâmetros para apontar o que é uma cidade sustentável ou um bairro sustentável. Confira na entrevista a seguir:
O Brasil já possui projetos de cidades e bairros sustentáveis, alguns já em construção. No que a NBR ISO 37120:2017 mexe com esses projetos?
O que tem acontecido no Brasil é que uma série de projetos se autointitulam projetos de bairros sustentáveis ou de cidades sustentáveis, mas quem garante que eles são sustentáveis? Tem aí a questão de quem está divulgando tende a utilizá-la como marketing e o público leigo compra a ideia de que são bairros ou cidades sustentáveis. A norma NBR ISO 37120:2017 procura dar conhecimento técnico sobre o que são cidades sustentáveis e comunidades sustentáveis. Ela contribui para que se possa diferenciar o que é um bairro ou uma cidade sustentável daquilo que não é um bairro ou uma cidade sustentável. Então, se o Brasil possui projetos de bairros e cidades sustentáveis – até acredito que alguns sejam -, não será a denominação dada pelo empreendedor ou pelo gestor do empreendimento que vai garantir que ele seja sustentável.
Hoje, há muitos países seguindo conceitos de cidades sustentáveis. Para o Brasil, a norma vai ajudar a impulsionar o surgimento de novas cidades sustentáveis?
Sem dúvida, vai impulsionar o surgimento de novas cidades sustentáveis, mas que não serão apenas aquelas que se autodeclaram sustentáveis. Teremos um critério técnico para dizer o que significa ser uma cidade sustentável e de que forma parametrizar a questão, sob o ponto de vista técnico e não apenas de marketing.
A norma publicada em janeiro de 2017 é uma tradução da ISO 37120:2014. Houve pontos que precisaram ser adaptados para o cenário brasileiro?
A norma não pode ser adaptada. Ela é uma tradução ipsis litteris da ISO 37120:2014. Por quê? Porque se você faz uma adaptação desta norma você não pode utilizar o número ISO 37120. Seria outra norma técnica. Então, o que fizemos? Criamos notas de rodapé à tradução. Nestas notas, apontamos principalmente aspectos relacionados a métodos de ensaio, que precisam ser adequados àquilo que usualmente é feito no Brasil.
Quando se fala em cidade sustentável, pensa-se logo em projetos de cidades que estão para ser construídas. Pergunto: as cidades já consolidadas podem se tornar cidades sustentáveis?
Diria que 98% das nossas cidades já estão construídas. São muito poucas as que têm características como as de Brasília, por exemplo. Isso é uma exceção. A tarefa é transformar, construir, ampliar e melhorar as cidades já existentes. A ideia é partir de um processo de transformação, para modificar, adaptar e expandir as atuais cidades, criando novos espaços, que, de alguma forma, sejam sustentáveis e que possam influenciar a cidade já existente.
No que a norma ajuda neste ponto: transformar cidades não-sustentáveis em sustentáveis?
A norma tem uma série de indicadores que contribuem para qualquer nova ação sobre a cidade, com o objetivo de que ela traga melhorias na sustentabilidade. Não partimos do pressuposto de que vamos recriar cidades. O que se pretende é melhorar as cidades existentes. Comparando, é como se tivéssemos fazendo uma reforma dentro do apartamento com a família morando dentro da unidade.
Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm chances de se tornarem sustentáveis?
Primeiro é preciso perguntar: o que é uma cidade sustentável? Para ser mais preciso tecnicamente, eu perguntaria: cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm chances de se tornarem mais sustentáveis? Diria que elas nunca serão 100% sustentáveis, pois isso não existe. Pensar assim é uma peça de marketing.
Qual foi a receptividade da norma pelo mercado da construção e da academia voltada para o urbanismo?
Esta norma foi lançada em escala internacional em 2014. Começamos a fazer o trabalho de tradução em 2016 e no início de 2017 ela foi aprovada e publicada pela ABNT. É uma norma muito recente, mas a receptividade tem sido excelente. É importante dizer que uma norma se consolida quando sua utilização se torna voluntária, e não compulsória. Acredito que vamos conseguir isso, mas vai levar certo tempo.
E os organismos de governo, como eles recebem a norma?
Receberam muito bem. Temos conversado com o ministério das Cidades e com a Caixa Econômica Federal, que também participaram da tradução técnica da norma, assim como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e da CDHU de São Paulo, além de outros organismos, e a recepção tem sido muito boa.
A partir da norma, se pretende criar um ranking de cidades sustentáveis no Brasil?
Elaboramos a norma e a oferecemos ao meio técnico. Se alguém quiser fazer o ranqueamento poderá fazê-lo. A norma permite que se faça um ranking, desde que se consiga levantar os indicadores de cada uma das cidades brasileiras. Já existem alguns rankings que instituições e empresas têm lançado. Agora, cabe a quem quiser, ou tiver iniciativa, desenvolver este tipo de projeto.
Qual país hoje está mais evoluído em viabilizar cidades sustentáveis?
Principalmente os países escandinavos. Eles estão bastante à frente nestas discussões de cidades sustentáveis. Acho que têm não só o conhecimento técnico, como também os recursos financeiros para fazer isso. Nunca vamos esquecer que não basta ter a ideia e a vontade. É preciso mobilizar recursos financeiros e toda uma estrutura institucional.
Entrevistado
Engenheiro civil Alex Abiko, professor-doutor do Departamento de Engenharia de Construção Civil (PCC) da Escola Politécnica (Poli) da USP (Universidade de São Paulo)
Contato
alex.abiko@usp.br
Crédito Fotos: Divulgação/USP