Tecnologia terá força para definir a boa engenharia?

Em entrevista, professor alerta que o engenheiro civil não deve lutar contra a tecnologia, mas aprender a utilizá-la
29 de novembro de 2018

Tecnologia terá força para definir a boa engenharia?

Tecnologia terá força para definir a boa engenharia? 520 310 Cimento Itambé
Alonso Mazini Soler

Para Alonso Mazini Soler, uma grande obra não se limita ao algoritmo previsível de um programa de computador
. Crédito: Schedio Engenharia Consultiva

Doutor em engenharia pela Poli-USP, e professor da pós-graduação do Insper, além de sócio da Schedio Engenharia Consultiva, o engenheiro civil Alonso Mazini Soler é autor de uma série de artigos que fazem reflexões sobre os profissionais da área e o futuro da construção civil. Sua abordagem tem foco, sobretudo, na convivência entre a tecnologia e a mão de obra que atua no canteiro de obras.

Em um de seus escritos, o professor avalia que a tecnologia é bem-vinda, mas não basta. Ele escreve que “dificilmente a máquina será capaz de trabalhar em equipe, acumular experiência, produzir e utilizar o conhecimento tácito, se motivar, pensar e agir como o trabalhador profissional, humano!”. Porém, alerta que o novo profissional da construção não deve lutar contra a tecnologia, mas aprender a utilizá-la em seu favor. Na entrevista a seguir, Alonso Mazini Soler explica de que forma isso pode ser alcançado. Confira:

Em seu artigo, “Na obra, a tecnologia é bem-vinda, mas não se basta, o senhor faz uma reflexão sobre o impacto da indústria 4.0 na construção civil. Como se poderá alcançar o equilíbrio entre homem e máquina no canteiro de obras?
A interpretação adequada do artigo não remete a um contraponto entre a adoção da tecnologia (indústria 4.0) e o ser humano, mas, exatamente, lança luz sobre o equilíbrio entre ambos. Pelo menos no tempo de um futuro previsível, homens e máquinas se acostumarão a trabalhar juntos no canteiro de obras.

O Brasil já vive essa realidade, de máquinas inteligentes se sobrepondo a homens, ou ainda estamos longe deste cenário?
Conheço exemplos de empresas que já vivem essa realidade no Brasil – tanto no segmento de infraestrutura quanto no de edificações. Elas estão fazendo a lição de casa de eficiência para quando o mercado for retomado em toda sua potencialidade. Quiçá, que seja rápido. Recomendo a leitura de um artigo meu intitulado “Uma ficção sobre inovação na construção civil. Nele, concluo afirmando que “… Apesar do conservadorismo típico da indústria da construção, as inovações tecnológicas que a cercam florescem de modo exponencial. O ecossistema das startups de construção (construtechs) exibe uma dinâmica energizada capaz de mudar rapidamente o modelo de negócios atual…”

Os defensores da indústria 4.0 na construção civil justificam que a máquina traz aumento de produtividade. O que o senhor acha dessa tese?
Eu concordo totalmente com essa tese. Não há como impor reação contrária ao avanço da tecnologia e deixar de reconhecer suas vantagens e benefícios. Entretanto, meu ponto de complementação à tese é que a máquina sozinha não substituirá a experiência, a criatividade e a capacidade laboral do ser humano numa obra.

Como o trabalhador poderá proteger seu emprego diante deste cenário de “ocupação das máquinas” na construção civil?
Em primeiro lugar, reconhecendo que o trabalho mudou (e vai continuar mudando), o que exige desse profissional é o ajuste de suas competências. Recomendo a leitura de um artigo meu intitulado “Recolocação na construção depois dos 50 anos. Nele, dou dicas sobre o perfil do novo profissional da construção: “Diante do novo que sustenta a transformação experimentada pelo setor da construção, configura-se o perfil necessário de um (igualmente) novo profissional: íntimo do uso e das potencialidades da tecnologia digital, intuitivo, pragmático, colaborativo, flexível em suas ideias, internacionalizado em sua networking e sensível às causas ambientais e sociais, aberto e disponível a aprender ininterruptamente…”

E os engenheiros civis, qual o papel deles neste cenário?
Volto a mencionar outro artigo meu, intitulado “Reskiling de profissionais de engenharia e construção. A conclusão é a de que, neste momento, permanecer na carreira de engenharia e construção tende a ser menos arriscado do que se aventurar fora dela. Obviamente, considerando que permanecer na carreira implica em atualizações constantes e aprendizagem contínua. 

Existem os engenheiros civis mais experientes e os da nova geração, que se alinham ao uso de máquinas e computadores na construção civil. Como adequar esse “conflito de gerações”?
As respostas estão nos dois artigos mencionados acima. Mas respondendo de forma direta, diria que o engenheiro mais experiente, que traz consigo a vivência, o aprendizado tácito obtido de acertos e erros em anos de trabalho, deve levar em consideração que o mundo mudou e que ele precisa se adaptar rápida e continuamente ao novo mundo da tecnologia, sem o qual ele será considerado um profissional obsoleto.

Quem está mais suscetível à indústria 4.0 na construção civil: as grandes obras de infraestrutura ou as do setor imobiliário?
As obras de edificação, do setor imobiliário, são mais simples e rápidas para se introduzir novas tecnologias. E a viabilidade dos investimentos nesse sentido são mais visíveis a curto prazo.

A construção industrializada, como a do concreto, não é uma alternativa para equacionar esse conflito entre máquina e homem?
Sim, essa é uma tendência visível. O Lean Construction pode ser aplicado imediatamente para a solução de problemas de habitação nas cidades, por exemplo. O programa Minha Casa Minha Vida seria muito mais eficiente e eficaz se as empreiteiras adotassem o modelo lean de industrialização com notório ganhos de escala.

Nossos cursos de engenharia estão preparando os futuros engenheiros para essa realidade?
Não estão. As faculdades não sabem ainda o que fazer para se adaptar. Veja relatório do “Mapa do ensino Superior 2018”, publicado pelo SEMESP em 1º de outubro de 2018, que aponta o curso de engenharia civil como um dos que precisam ser remodelados fortemente sob risco de serem extintos.

O senhor sabe se algum país está conseguindo boas soluções no canteiro de obras, usando máquinas e homens sem conflitos e desperdício de mão de obra?
A China nos divulga um avanço significativo na engenharia civil, adotando tudo de novo que se apresenta em termos de tecnologia, sem abrir mão do homem. Faço essa análise no artigo “Sim! Provavelmente você terá chefes chineses.

Entrevistado
Alonso Mazini Soler, doutor em engenharia civil pela Poli-USP, professor da pós-graduação do Insper e sócio da Schedio Engenharia Consultiva

Contato: alonso.soler@schedio.com.br

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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