Enchentes no Rio Grande do Sul: como lidar com esta questão?

Eventos climáticos serão cada vez mais comuns e Brasil precisará fazer planejamento para lidar com eles
21 de setembro de 2023

Enchentes no Rio Grande do Sul: como lidar com esta questão?

Enchentes no Rio Grande do Sul: como lidar com esta questão? 768 459 Cimento Itambé
Melhora dos vertedouros, aumento das barragens ou amortecimento podem ser algumas das possíveis soluções.
Crédito: Marinha do Brasil

Um ciclone extratropical que se formou no oceano e foi em direção ao sul do país neste mês de setembro. Como consequência, o estado do Rio Grande do Sul sofreu com as chuvas intensas, que causaram enchentes e deixaram estragos em dezenas de cidades gaúchas. Ao todo, a Defesa Civil registrou 48 mortes e 10 pessoas desaparecidas, além dos deslizamentos de terra e destelhamento de residências. 

As enchentes não são uma novidade no Brasil – todos os anos, pontos de alagamentos são registrados. Ao mesmo tempo, diversas cidades investem em iniciativas para conter este problema. E, neste caso do Rio Grande Sul, o que poderia ser feito?

Para José Marques Filho, engenheiro e professor do Departamento de Construção Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o melhor cenário seria ter um planejamento prévio. “Estas cheias que aconteceram ali foram de grande magnitude e são raras. No entanto, com as questões climáticas, elas devem se tornar cada vez mais frequentes. Como não foi pensado o amortecimento de cheias juntamente com a parte energética por questão de planejamento nos anos anteriores, atualmente o regime e manuseio dos empreendimentos devem ser reanalisados no Brasil. Nos últimos anos o país construiu barragens a fio d’água, ou seja, sem armazenamento, o que dificulta o manejo de cheias, pois toda água afluente se conduz quase imediatamente para jusante”, explica. 

Outra questão é que como muitos rios já possuem empreendimentos realizados, com poucas possibilidades de execução de barragens para acumulação e amortecimentos de cheia, as soluções se tornam complexas, segundo Marques Filho. 

“Mas é necessário avaliar a viabilidade de enfrentamento técnico das cheias, dentro das possibilidades físicas existentes. Como exemplo extremo, verificar se há a viabilidade técnica de construção de um reservatório de acumulação, ou ainda, de maneira mais complexa, de fazer um alteamento, avaliando no âmbito regulatório a questão, pois qualquer adaptação poderia inviabilizar por um tempo os benefícios que os empreendimentos oferecem”, aponta o professor. 

Marques Filho acredita que é fundamental a implementação de estudos climatológicos e de vazões para previsão de eventos extremos, de forma a permitir ao poder público e representantes da sociedade civil se prepararem e minimizarem os efeitos nas populações.

“Em resumo, o Brasil precisa pensar e planejar sobre como irá lidar com esses eventos climáticos mais intensos, que acontecem em todo país. Isso inclui uma união de esforços entre os órgãos públicos, representantes da sociedade civil e os responsáveis pelos empreendimentos. Deve ser lembrado que os recursos hídricos são propriedade da União, e as barragens são planejadas pelo poder público e dadas em concessão. Em outras palavras, as barragens são construídas para prestar um serviço público, definido pelo estado brasileiro”, comenta Marques Filho.

Para isso, Marques Filho acredita que, em primeiro lugar é preciso estudar as obras, fazer as análises de hidrologia e meteorologia, além de um estudo das cheias, juntamente com sistemas de monitoramento e alerta efetivos para mitigar efeitos nas populações. Depois disso, será possível entender se a melhor solução é rearranjar os vertedouros, aumentar as barragens ou fazer um amortecimento, de preferência gerando os novos empreendimentos com reservatórios. “Na China, existem diversas barragens para amortecer cheias. O Brasil nunca pensou muito nisso”, afirma. O professor menciona também a possibilidade de reorganização de populações junto com as autoridades competentes para evitar que elas ocupem regiões sujeitas a enchentes, de forma semelhante ao que acontece quando se ajuda as populações em áreas sujeitas a escorregamentos de terra

Dentro deste cenário, é necessário pensar em como cuidar desses eventos climáticos e quais novas obras seriam necessárias para conter seus efeitos, segundo o professor. Também é preciso verificar quais novos empreendimentos hidráulicos seriam necessários para deixar a população segura e minimizar as consequências de eventos extremos.

“Como nação, vamos ter que analisar todos os casos isolados e melhorar os empreendimentos existentes, além de fazer um planejamento sobre como utilizar esse recurso importante que é a água. Os empreendimentos hidráulicos fazem parte da segurança estratégica que o Brasil precisa ter, ou seja, são responsáveis pela segurança hídrica (para abastecimento humano, dessedentação animal, irrigação), segurança alimentar, segurança energética e segurança contra as mudanças climáticas. Conforme os efeitos das mudanças climáticas forem se agravando, mais obras hidráulicas teremos que fazer, para garantir a segurança da população. Assim sendo, no futuro, o Brasil deverá despender bastante recurso para lidar com as mudanças climáticas”, opina Marques Filho.

Fake news: barragens teriam causado alagamento? 

Diante do cenário que se instalou na região, surgiu uma fake news a respeito do assunto, que afirmava que a enchente teria sido causada pela abertura de comportas de barragens da região. Entretanto, um comunicado da Cia. Energética Rio das Antas (Ceran) informou que as três Usinas Hidrelétricas (UHEs) presentes no Rio das Antas contam com reservatórios “à fio d’água”. “Toda água que não vai para as turbinas passa sobre crista da barragem. Em situações de alta afluência, a vazão de água que passa pela barragem é a mesma que passaria se ela não existisse”, destaca a Ceran.“Nos últimos 25 anos, o Brasil deixou de construir adequadamente reservatórios, isto é, guardar a água. Estas usinas são a fio d’água, onde toda a água que chega, passa. Por conta disso, elas têm pouca capacidade de amortecimento. No entanto, em alguns lugares do país, as usinas ajudaram a conter um pouco quando estão com nível ligeiramente baixo, até a água chegar e sair, podem diminuir cheias. Se no momento da concessão pelo poder público tivesse sido pensado em algum tipo de amortecimento do pico da cheia, os estragos poderiam ser amenizados”, pontua o professor.

Fonte
José Marques Filho é engenheiro e professor do Departamento de Construção Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Contato
jmarquesfilho@gmail.com.br

Jornalista responsável
Marina Pastore
DRT 48378/SP

21 de setembro de 2023

VEJA TAMBÉM NO MASSA CINZENTA

MANTENHA-SE ATUALIZADO COM O MERCADO

Cadastre-se no Massa Cinzenta e receba o informativo semanal sobre o mercado da construção civil