Brasil centraliza debates sobre certificação AQUA

30 de março de 2011

Brasil centraliza debates sobre certificação AQUA

Brasil centraliza debates sobre certificação AQUA 150 150 Cimento Itambé

Processo inspirado em modelo francês, e que avalia construções sustentáveis, concorre com o sistema norte-americano LEED

Por: Altair Santos

A cidade de São Paulo sediou em março de 2011 a 2.ª Conferência Internacional sobre o Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental). Os debates em torno da certificação da construção sustentável, criada na França, atraíram especialistas de todo o mundo. Do Brasil, esteve presente o professor Manuel Carlos Reis Martins, coordenador executivo do Processo AQUA da Fundação Vanzolini.

Manuel Martins, coordenador do processo AQUA no Brasil: certificação se baseia em 14 critérios de sustentabilidade.

Em sua palestra, ele destacou os principais aspectos da certificação AQUA para edifícios habitacionais e edifícios em operação. Na entrevista a seguir, Manuel Martins explica as semelhanças e diferenças entre as certificações AQUA e LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), como está o avanço das construções sustentáveis no Brasil e quais os requisitos que um empreendimento deve ter para reivindicar o certificado. Confira:

O processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental) se compara à certificação LEED? O que eles têm em comum e o que têm de diferente?
Eles têm em comum a ideia de avaliar a sustentabilidade da construção, em termos de impacto ao meio ambiente, conforto e saúde. Essa preocupação do LEED é a mesma preocupação do AQUA. Agora, a partir daí, eles são totalmente diferentes. O LEED foi desenvolvido nos Estados Unidos com base na experiência de construção americana e nas normas e legislações americanas, enquanto o AQUA, no modelo francês HQE (Haute Qualité Environnementale), que é um modelo anterior ao LEED, leva em conta o desempenho, ou seja, não é um modelo que requeira soluções de projetos pré-concebidos. Porque quando o critério é desempenho, você pode responder a este desempenho com uma solução de projeto adequada para aquele local. Então, a partir daí, a Fundação Vanzolini fez, com a ajuda dos professores da Engenharia de Construção Civil da Poli/USP, a adaptação para o Brasil do HQE francês, que resultou no AQUA. Ele contempla legislações, regulamentações, parâmetros de desempenho e características da construção no Brasil.

Daria para dizer que a certificação AQUA é mais rigorosa do que o LEED?
Veja, o processo americano avalia por pontos. Então, tem de fazer um determinado número de pontos para ser certificado. Isso quer dizer que o empreendedor pode escolher os pontos que ele quer fazer, independentemente do contexto do empreendimento. O fato de ele escolher os pontos significa que o empreendimento pode não sair tão coerente assim e, mesmo assim, atingir o que é requerido pela certificação. Já o AQUA é mais rigoroso. O AQUA tem de atender todos os critérios. Ele busca uma série de fatores, como o contexto do empreendimento, onde ele vai se inserir, o que é o empreendimento, como ele vai funcionar. Além disso, analisa o local do terreno, a questão econômica e legal do empreendimento.

Como é feita a avaliação para se obter a certificação AQUA?
A avaliação do AQUA é feita por meio de auditorias presenciais pela Fundação Vanzolini e por um organismo independente de terceira parte, que faz uma avaliação local, presencial com o empreendedor. Outra diferença é que esta avaliação é feita nas fases principais do empreendimento: na concepção, que corresponde ao projeto, e na realização, que abrange o final da construção e a entrega. Na concepção, uma auditoria fornece um primeiro certificado. Quando concluídos os projetos, é feita uma nova auditoria e sai um novo certificado. O mesmo é feito na fase de realização e de entrega do empreendimento.

Os dois processos, LEED e AQUA, são concorrentes ou complementares?
Eles são concorrentes porque focalizam a sustentabilidade da construção, a avaliação da sustentabilidade da construção de forma diferente. O processo LEED, por exemplo, não tem critério para desempenho acústico. O AQUA tem. O AQUA também exige um sistema de gestão do empreendimento para que se garanta que os objetivos sejam de fato alcançados e controlados ao longo de todo o empreendimento. Então, com estas diferenças, eles não são complementares, pois se alguém desenvolve um projeto que atende o AQUA isso significa que este projeto identificou e atendeu todos os requisitos do AQUA e enfocou a sustentabilidade de maneira coerente e abrangente.

Por que a certificação LEED é mais difundida do que a AQUA?
Porque começou antes. Eles começaram em 1995 no Brasil e nós lançamos o AQUA em 1998. Mas hoje já está equilibrando isso.

A certificação AQUA se baseia em 14 critérios de sustentabilidade distribuídos em quatro grandes temas: ecoconstrução, eco-gestão, conforto e saúde. Quais são esses 14 critérios?
Os critérios são os seguintes:
1- Em ecoconstrução você tem a categoria edifício e seu entorno, que requer que sejam cuidados todos os aspectos que garantam uma boa inserção do empreendimento: onde ele vai ser feito, o ambiente construído, a infraestrutura, os acessos, a conectividade urbana, ecossistema, enfim, tudo o que interage com o edifício e a própria vocação socioambiental do bairro.
2- Escolha integrada dos materiais, produtos e sistemas construtivos. Isso requer critérios de durabilidade compatível com a durabilidade da edificação, por que não tem sustentabilidade se não for durável. Aí, é preciso estar em conformidade com as normas técnicas, pois o sustentável tem que funcionar. Mas, ao mesmo tempo, precisa atender critérios de baixo impacto ambiental e de baixo impacto à saúde humana. Neste caso, inclui também a questão da formalidade da cadeia produtiva, já que a certificação veta recorrer à informalidade.
3- O terceiro item é o canteiro de obras de baixo impacto, em todos os sentidos: ruído, poeira, sujeira, visual, incômodos ao tráfego, etc.. Tem também redução de consumo de água e energia durante a obra, redução da duração de resíduos, destinação correta dos resíduos e eliminação ou redução de poluição de ar, água e solo.
4- No bloco ecogestão, há requisitos começando pela arquitetura e pela envoltória do edifício, de eficiência energética do edifício. Então começa pela arquitetura desenvolvida de modo a aproveitar melhor as condições bioclimáticas e passa pela escolha de sistemas prediais de baixo consumo, de melhor eficiência energética, sistemas de ventilação, sistemas de água e sistemas de climatização. Passa também pelo uso, quando viável, de energias alternativas locais. Se for demonstrado que economicamente é interessante usar energia solar, por exemplo, aí tem que usar energia solar ou para aquecer água. Enfim, é uma análise que depende do local.
5- Na categoria gestão da água, entra o aproveitamento de água de chuva e os sistemas economizadores em bacias, torneiras, chuveiros, que reduzem também o consumo. Tem ainda a gestão da retenção da água de chuva e da infiltração da água de chuva.
6- Sobre gestão dos resíduos de uso do edifício, é preciso um programa, já contemplado no projeto, que informe os fluxos, os locais e as cadeias locais de aproveitamento de resíduos, para que eles sejam conhecidos de antemão.
7- Manutenção do sistema que trata de facilidades de acesso, facilidades de manutenção, monitoramento dos sistemas de iluminação, de resfriamento, ventilação e outros e intervenções que causem menos impacto, tanto ao meio ambiente quanto as pessoas que estão usando o edifício.
8- Em conforto, existe o requisito de conforto térmico, que também começa pela arquitetura e sempre é olhado junto com outros itens, como, por exemplo, a questão da energia, sombreamento, ventilação e climatização.
9- Em conforto acústico, levam-se em consideração os isolamentos e o nível de ruído. Começa pela disposição do ambiente em termos arquitetônicos e passa também pelo formato dos materiais e pelos isolamentos.
10- Conforto visual, que leva em consideração requisitos de iluminação natural – os quais ajudam a economizar a energia – e requisitos de uma boa iluminação artificial, como uniformidade de luminância, temperatura de cor e ofuscamento. Tudo isso, o projeto de luminotécnica vai ter de atender.
11- Em conforto olfativo, que trata da identificação dos odores, da ventilação e do isolamento dos odores, sejam de fora, sejam de dentro, o ideal é ter uma ventilação que garanta as trocas de ar e possibilite um ambiente com boa qualidade do ar em termos de odor.
12- Requisitos de saúde, que levam em conta a qualidade sanitária dos ambientes, a minimização das fontes de ondas eletromagnéticas e a adequação dos ambientes, em termos de facilidade de limpeza para evitar o crescimento de fungos e bactérias.
13- Qualidade sanitária do ar, para identificar agentes poluição – tanto de fora quanto de dentro, se houver -, e tratar de isolar e ventilar para garantir as trocas de ar saudáveis.
14- Qualidade sanitária da água, que precisa atender requisitos que garantam a portabilidade da água, a separação das águas, como redes água não potável e redes de esgoto, e também a separação das redes de água quente e água fria, quando houver no empreendimento.

O senhor, recentemente, palestrou sobre os aspectos da certificação AQUA para edifícios habitacionais e edifícios em operação. Como ela se aplica nestas obras?
Dos edifícios habitacionais você faz uma análise do local, faz uma análise do empreendimento, programa o que vai ser o empreendimento e identifica as 14 categorias de desempenho. Verifica em quais dará para chegar no bom, no superior ou no excelente. Justifica este perfil e define um sistema de gestão para garantir que no desenvolvimento dos projetos e na execução da obra este perfil vai se concretizar. Feito isso, realiza-se uma primeira avaliação e uma auditoria de certificação AQUA pela Fundação Vanzolini. Elas vão avalizar o sistema de gestão e detalhar os princípios de projeto para se atingir o desempenho em uso de energia, em uso da água e em conforto térmico, por exemplo. Para isso, é preciso detalhar no projeto os cálculos, os modelos matemáticos, as definições de materiais, os dimensionamentos dos ambientes, entre outros. Detalha-se o projeto inteiro, mostrando que ele vai resultar no nível de desempenho proposto pelo programa. No final, a Fundação Vanzolini faz outra auditoria e emite um certificado com as três fases preenchidas: programa, concepção e realização. Aí, se tem o empreendimento habitacional com o certificado de todas as fases. O certificado da fase programa pode ser usado no lançamento do empreendimento. O de concepção significa que o projeto deu corpo àquelas diretrizes fundamentadas no programa. E o de realização quer dizer que a sua obra ficou como era para ficar, atendendo o AQUA nos níveis propostos.

E para os edifícios em operação?
Os edifícios em operação exigem um diagnóstico diferente. Primeiro, é preciso verificar se eles têm uma qualidade ambiental intrínseca que permita atingir os níveis de desempenho do AQUA. É preciso um inventário, para ver como eles estão em termos de segurança, rede elétrica, proteção contra incêndios, segurança estrutural, acessibilidade e outros. Com base nesta primeira avaliação, o empreendedor define qual vai ser o perfil de desempenho e o sistema de gestão. Neste caso, diferente do sistema de gestão da execução da obra, que envolve outros atores, como projetistas, construtores e empreiteiros. Agora, prevalece a gestão de uso e os atores são administradores prediais, gestores de facilites e os próprios condôminos. Tudo isso pode ser feito em duas fases. Uma que diagnostica se é possível atingir um perfil de desempenho e estabelecer um sistema de gestão. Essa etapa vai medir durante um ano os registros de desempenho de energia, de água, de conforto e outros. Aí ocorre a segunda avaliação, que permite a certificação final da operação. Feito isso, a Fundação Vanzolini passa a acompanhar anualmente este edifício para manter a certificação, verificando se ele preserva e melhora seus desempenhos.

Empreendimentos voltados para o programa Minha Casa, Minha Vida têm condições de atender a certificação AQUA?
Hoje temos um empreendimento em São Paulo que já se certificou na fase programa habitacional para faixa de três a dez salários mínimos. É perfeitamente viável.

Em termos de empreendimentos sustentáveis, como o Brasil se posiciona no mundo?
França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Japão e Austrália têm mais porque eles começaram antes. Eu visitei a Austrália em 1994 e eles já estavam fazendo. Na França, o nosso parceiro habitacional Cercol começou em 1992. Os americanos e os alemães começaram em 1990. Mas o Brasil está com um desenvolvimento rápido. Hoje, aliás, o país já tem mais empreendimentos com certificação AQUA do que LEED. São 29 edifícios certificados e um conjunto de 80 casas.

Entrevistado
Professor Manuel Carlos Reis Martins, coordenador executivo do Processo AQUA da Fundação Vanzolini.
Currículo

– Coordenador Executivo da Certificação da Construção Sustentável (Processo AQUA)
– Coordenador Técnico da Certificação de Sistemas de Gestão Ambiental ISO 14000 e auditor-líder de Sistemas de Gestão da Qualidade, Meio Ambiente, Segurança e Saúde Ocupacional e Responsabilidade Social da Fundação Vanzolini
– Professor de Sistemas de Gestão Integrada dos cursos de pós-graduação na FIA/FEA-USP e IEE-USP
– Engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP e Ph.D pelo Imperial College – London University
– Especialização em Processo AQUA – Construção Sustentável (HQE Francês) – e Gestão (Brasil, França e Japão)
Contato: comunicacao@vanzolini.org.br / karina@ateliedetextos.com.br (assessoria de imprensa)

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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