Brasil engessa processos criativos na construção civil

12 de abril de 2012

Brasil engessa processos criativos na construção civil

Brasil engessa processos criativos na construção civil 150 150 Cimento Itambé

João Filgueiras Lima, arquiteto conhecido como um dos maiores especialistas em pré-fabricado, critica burocracia e excesso de normatizações

Por: Altair Santos

Aos 80 anos, o arquiteto João Filgueiras Lima – conhecido como Lelé – pertence a uma geração que atuou diretamente com Oscar Niemeyer. Especializando-se em estruturas pré-fabricadas, desde 2008 ele coordena o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat. O objetivo é estimular pesquisas que favorecem, sobretudo, a aplicação do pré-moldado em construções habitacionais.

João Filgueiras Lima, o Lelé: "Governo precisa estimular mais pesquisas voltadas à construção civil".

Nesse ponto, Filgueiras, do alto de seus mais de 50 anos de profissão, revela-se um crítico ao fato de o Brasil não aproveitar o bom momento da construção civil para investir em novas tecnologias e na industrialização. Para ele, o excesso de burocracia engessa o setor e impede processos criativos. É o que o experiente arquiteto revela na entrevista a seguir. Confira:

Como o senhor avalia o momento das construções pré-fabricadas no Brasil?
O Brasil ainda deve muito à industrialização na construção. O que ocorre é o seguinte: embora haja uma demanda grande em termos de obras habitacionais, escolas e prédios na área de saúde, o investimento é muito pequeno em processos industriais. Veja a questão da pré-fabricação. Ela precisa de investimentos em tecnologias mais leves, como a argamassa armada, para que ela possa alcançar distâncias maiores sem onerar muito o custo de transporte. É uma questão de logística. Eu propus para o programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, usinas móveis que estejam próximas da montagem para minimizar o fator transporte. Sem isso, vai ficar se construindo apenas galpões, obras viárias e viadutos em pré-fabricado, sem avançar para construções mais complexas. Mas para isso, se pressupõe investimento em industrialização.

Sob o ponto de vista de obras públicas, como hospitais e escolas, o pré-fabricado é a solução mais rápida e barata?
É. Na Rede Sarah (um complexo de hospitais de reabilitação com sedes em Belém, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Macapá, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís) tínhamos que industrializar prédios à longa distância e usamos a argamassa armada, não só como elementos estruturais como também elementos de vedação. Com isso, conseguimos uma diferença de custo incrível comparada com os custos convencionais. Mas é importante ressaltar que, no caso de obras mais complexas, como é o caso de hospitais, eles requerem uma industrialização flexibilizada. Não é, por exemplo, como na habitação, em que a gente pode reduzir a um número pequeno de elementos industriais. No caso dos hospitais a complexidade requer vários elementos pré-fabricados e vários tipos de tecnologia que têm que ser integradas.

Há um debate intenso no setor da construção civil, de que o país precisa incentivar a industrialização para superar gargalos como carência de mão de obra e custos das obras. Como o senhor vê isso?
Ainda usamos na construção civil uma mão de obra muito pouco qualificada. Quer dizer, não vejo nenhum investimento em tecnologia no próprio operário. Também está se perdendo a oportunidade de atrair empresas estrangeiras que possam transferir tecnologia. Ao invés disso, elas estão apenas querendo vender produtos. Por exemplo, atualmente fala-se muito em envelopar os prédios, ou seja, o edifício fica bonito por fora, com uma bela fachada, muito embora a construção por dentro seja péssima. Isso não é investimento em tecnologia ou industrialização. É apenas resolver um problema que não foi resolvido.

Questões tributárias e burocráticas impedem o avanço de mais projetos à base de pré-fabricados e que envolvam novas tecnologias?
A burocracia atrapalha mais que a carga tributária. A burocracia cria controles e estabelece normas que acabam engessando todos os processos criativos. Quer dizer, cria-se uma norma para fazer só aquilo e isso impede que se desenvolvam novas técnicas, novas pesquisas. O que precisa é criar mecanismos que estimulem a pesquisa. Isso é algo que o governo tem que fazer. A própria FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) devia estar estimulando pesquisas na área da construção civil que pudessem baratear e melhorar o desempenho do Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Mas veja o que acontece. Com a alta demanda por moradias, e sem tecnologia que acelere a produção, o preço está cada vez mais majorado. Com isso, um apartamento de caráter social já está custando o valor de um imóvel para a classe média.

O senhor criou em Salvador o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat. Quais as metas do instituto?
As metas do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat são desenvolver tecnologias adequadas à nossa cultura. É preciso saber que o nosso país é continental, tem diferenças climáticas e topográficas e, por isso, necessita que sejam desenvolvidas tecnologias adequadas para cada caso. Por isso, um dos objetivos do instituto é integrar essas demandas ao ensino e à pesquisa, através de um centro de convivência entre estudantes de engenharia e arquitetura, e outras profissões ligadas à construção, para que eles possam realizar seus estudos e aplicar novas tecnologias.

Sua história é de defesa dos pré-fabricados no Brasil. Como o senhor se sente reconhecido como um dos expoentes no uso desse material?
Eu trabalhei muito com o poder público ao longo dos últimos 50 anos e isso permitiu que estudasse bastante a questão do pré-fabricado. Só que, atualmente, estou inteiramente frustrado, pois percebo que não surgiram novas tecnologias. Bem diferente do que fazem outros países, como a China, que hoje constrói muito misturando elementos pré-fabricados com o aço.

Entrevistado
João Filgueiras Lima, arquiteto e urbanista
Currículo

– Arquiteto e urbanista graduado pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de janeiro (1957)
– É reconhecido como um dos maiores arquitetos brasileiros, pela sua preocupação pioneira com os processos de industrialização, através da utilização de elementos construtivos pré-fabricados
– Seu reconhecimento internacional é exprimido nas conquistas do prêmio da Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Urbanismo, em Madri, 1998 e no Grande Prêmio Latino-Americano de Arquitetura da 9ª Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires, em 2001
Contato: adrianarfilgueiras@hotmail.com

Crédito foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
VEJA TAMBÉM NO MASSA CINZENTA

MANTENHA-SE ATUALIZADO COM O MERCADO

Cadastre-se no Massa Cinzenta e receba o informativo semanal sobre o mercado da construção civil