O sustentável deve ser acessível
Seminário ECOARQ detecta que o Brasil tem leis ambientais avançadas, mas que carecem de incentivos para que a cadeia produtiva da construção civil as absorva
Seminário ECOARQ detecta que o Brasil tem leis ambientais avançadas, mas que carecem de incentivos para que a cadeia produtiva da construção civil as absorva
Curitiba sediou no começo de outubro o 2.º Seminário Brasileiro sobre Arquitetura Sustentável (ECOARQ) . O encontro debateu a união de esforços entre arquitetura, urbanismo, engenharia civil, paisagismo e design de materiais e interiores para colaborar com a minimização do impacto ambiental.
Uma das conclusões é de que o Brasil dispõe de leis ambientais modernas, mas que carecem de incentivos para entrarem no dia a dia da cadeia produtiva da construção civil. É o que revela o arquiteto Gabriel Bertran, um dos organizados do ECOARQ, que sintetiza na entrevista abaixo o que foi debatido no seminário. Confira:
Já há um consenso entre arquitetura, urbanismo, engenharia civil e paisagismo sobre os impactos das obras sobre o meio ambiente? Caso sim, quais medidas estão sendo tomadas?
Creio ainda não haver este consenso. O que existe são ações isoladas em cada uma das áreas, as quais de fato poderiam ser integradas. As medidas que estão sendo tomadas ainda são, em sua maioria, de caráter individual, como, por exemplo, uma minoria de arquitetos e construtoras conscientes construindo de forma sustentável. Há também algumas indústrias que incorporam sustentabilidade em parte de seus processos de produção e também o voluntarismo de alguns empreendimentos que acabam recebendo certificados de sustentabilidade. Quanto ao poder público, há leis ambientais avançadíssimas, mas faltam serem aplicadas de forma mais ampla. Elas carecem de incentivos, como corte de impostos, para que toda a cadeia produtiva utilize mais soluções sustentáveis e se crie realmente uma mudança no mercado para estes produtos e processos a serem usados.
Quais são, hoje, os principais casos de sucesso na construção civil sustentável, seja em Curitiba, no Paraná, no Brasil ou fora dele?
Em Curitiba, está em fase de conclusão o primeiro edifício com certificação LEED (do inglês Leadership in Energy and Environmental Design – Liderança em Design de Energia e Meio Ambiente) no Paraná. A certificação é concedida pelo Green Building Council (GBC Brasil), uma organização mundial sem fins lucrativos que certifica edificações que cumpram determinados requisitos sustentáveis. O edifício é o Curitiba Office Park, no Jardim Botânico. No caso do Brasil, existem cerca de 140 empreendimentos certificados ou em fase de certificação pelo GBC Brasil – a maioria deles em São Paulo e, geralmente, grandes empreendimentos comerciais. Mas isto já mostra uma tendência, pois a sustentabilidade, além de valorizar mais estes empreendimentos, gera economia de energia, água e manutenção em sua operação. Em relação aos empreendimentos residenciais, existem inúmeras ações isoladas, inclusive algumas delas provêm dos anos 70 e 80. Porém, não são catalogadas, a não ser em revistas especializadas. No mundo, mais de 45 países já incorporam a sustentabilidade em construções, sendo os principais França, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Brasil, China, Índia e Japão. Já há mais de mil edificações certificadas como sustentáveis no planeta. Além do selo LEED, existe o selo HQE francês, bem como certificações específicas da Alemanha, Inglaterra e Austrália.
Entre as palestras ministradas no seminário ECOARQ, qual agregou mais riqueza ao debate?
Todas foram de uma riqueza conceitual imensa, inclusive com temas complementares uma a outra. Eu destacaria a palestra dos arquitetos Sérgio Prado e Márcia Macul, os quais propuseram um sistema integrado de gestão de resíduos, chamado Lixo Zero, Arquitetura Sustentável, Energia Renovável. Trata-se de um projeto totalmente viável, já com materiais de construção super-resistentes, desenvolvidos a partir de todo tipo de resíduos urbanos, industriais e de construção. Além da inclusão social, tal projeto resolve o problema da poluição urbana pelos rejeitos que a sociedade dispõe. Envolve arquitetura, meio-ambiente, energia e um sistema de gestão para tudo isso. Destacaria também a palestra e o curso do doutor Eloy Casagrande, professor da UTFPR, em que ele demonstrou com exemplos práticos como podemos utilizar inúmeros materiais de construção ecológicos sem gastar muito. Envolve tanto produtos industrializados como também reaproveitados, feitos a partir de materiais que são muitas vezes rejeitados.
Como os profissionais da área de construção civil vêm se preocupando com as questões bioclimáticas e ambientais?
Neste sentido, eu destacaria a palestra do arquiteto Tomaz Lotufo como exemplo. Ele pratica em seus projetos, no interior de São Paulo, arquiteturas de baixo impacto, aproveitando os recursos do local, como o barro e os entulhos, por exemplo, para construir casas de excelente qualidade arquitetônica e confortáveis ambientalmente. Foram apresentadas, também, soluções de saneamento natural (tratamento biológico de esgoto), bem como a utilização de tijolos solo-cimento, que não são queimados e, portanto, emitem baixo carbono. Enfim, são soluções simples que trazem qualidade à construção civil e preservam os recursos naturais. Além disso, podem ser executadas por qualquer um. Isto é o que chamaríamos de arquitetura bioclimática. Por enquanto, temos poucos exemplos como este no Brasil, apesar de tais tecnologias estarem presentes, muitas vezes, há séculos em nosso planeta. A questão é divulgá-las melhor, para serem mais utilizadas.
Daria para dizer que os profissionais se preocupam mais com esta questão do que o setor das construtoras?
Tais dados ainda são muito difíceis de serem levantados. Eu diria que as construtoras têm mais acesso a recursos tecnológicos avançados em termos de sustentabilidade e às certificações também, em vista da escala em que trabalham. Isso torna seus empreendimentos sustentáveis mais visíveis, porém temos que tomar muito cuidado com maquiagens que nos são apresentadas. Há alguns que se dizem sustentáveis, mas no fundo não são. Já os arquitetos que trabalham com isto estão, aos poucos, aumentando. Muitas vezes os profissionais esbarram no desconhecimento que seus clientes têm do assunto. Até pela falta de opções (devido à falta de incentivos), os produtos sustentáveis são mais difíceis de serem encontrados e por comodismo compra-se o trivial. Mas o consumidor tem-se tornado exigente em termos de qualidade e espera-se que se torne, também, na questão ambiental. Para dar um exemplo, comprar uma madeira da Amazônia incentiva o desmatamento e as pessoas precisam estar conscientes disso. Os arquitetos, como formadores de opinião, têm um papel importante neste convencimento.
A palestra sobre Redução dos Gases de Efeito Estufa nas Construções Civis apontou quais soluções para se atingir isso na prática?
Na prática o que esta palestra apontou foi justamente a análise do que especificar em termos de materiais para a construção civil, procurando escolher os que tenham emitido o menor volume de carbono possível, desde a extração de suas matérias primas, passando pela fabricação, transporte, até a obra e também emissões durante sua utilização. É necessário que se analisem todos estes fatores e também o ciclo de vida do material e da edificação. Quanto mais tempo pudermos utilizar a edificação melhor para o meio-ambiente, mostrando que o sustentável também precisa ser durável. Os fatores de gastos energéticos também devem ser levados em conta. Como exemplos, podemos citar as madeiras amazônicas, que causam aumento expressivo das emissões tanto com a supressão das florestas (que armazenam carbono) quanto com o transporte dos materiais do norte ao sul/sudeste do Brasil, emitindo carbono com a queima do diesel. É melhor optar por madeiras plantadas em regiões próximas ao local da obra. Outro exemplo são as tintas, que muitas vezes utilizam produtos químicos altamente poluentes, que emitem CO2 tanto na fabricação quanto após a aplicação nas paredes. São apenas alguns exemplos, dentre inúmeros existentes.
A respeito de materiais e técnicas construtivas, o Brasil está bem posicionado ou ainda precisa rever conceitos?
Ainda precisa rever muitos conceitos. O brasileiro é comodista, pensando no curto prazo, e isso se reflete no mercado. Compra-se o convencional, até por falta de opção. É necessário pensar em termos de custo-benefício: uma solução sustentável vai gerar economia ao longo da utilização do imóvel. Além do mais, o poder público precisa incentivar o desenvolvimento e a fabricação destas soluções, via redução de impostos e outras políticas. O sustentável deve ser acessível. Assim, a sustentabilidade torna-se mais conhecida. E quanto mais for incorporada ao dia-a-dia de todos, melhor para o meio-ambiente. Diversos países já incentivam tais soluções.
Uma política sustentável na área da construção civil faria o Brasil reduzir quanto na emissão de carbono? Já há números sobre isso?
Não há, ainda, números de quanto se reduziria. Mas há números aproximados sobre o impacto da construção civil no meio-ambiente, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas e da União Nacional da Construção. São eles:
– 40% dos recursos naturais extraídos são destinados a indústria da construção civil
– 50% dos resíduos sólidos urbanos são provenientes de construções e demolições
– 50% do consumo de energia elétrica é destinado para operação das edificações (desde a construção até a utilização).
Por aí vemos que qualquer ação que reduza tais impactos será importantíssima. Reduzindo-se os resíduos, a extração dos recursos naturais e o consumo de energia, com certeza ajudará muito na redução do CO2 no planeta.
Entrevistado: gabrielbertran@ecolearning.com.br
Vogg Branded Content Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330
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