Adesão às engenharias cresce, mas evasão segue alta

10 de maio de 2013

Adesão às engenharias cresce, mas evasão segue alta

Adesão às engenharias cresce, mas evasão segue alta 1024 1024 Cimento Itambé

Cursos ofertados pelas universidades recebem quatro vezes mais estudantes. Porém, de cada 100, só 44 se formam

Por: Altair Santos

Dados do ministério da Educação, a partir do censo de 2010, demonstram que os cursos de engenharia concentram o segundo maior volume de estudantes nas universidades brasileiras – perdem apenas para os de administração. De acordo com o levantamento, dos que optam pelas engenharias, 24% cursam civil, 18,6% produção, 11,5% mecânica e 11,3% elétrica. No total, 227,8 mil estão matriculados atualmente nas graduações de engenharia.

Roberto Leal Lobo e Silva Filho, ex-reitor da USP e presidente do Instituto Lobo: engenharia civil é o símbolo das engenharias.

Apesar do aumento da demanda, o MEC ainda se preocupa com a alta evasão dos cursos, principalmente nos primeiros dois anos. As aulas excessivamente teóricas e a exigência de conhecimento aprofundado de matemática e física são apontados como os responsáveis pela fuga, que em alguns cursos ultrapassa os 60%. Para Roberto Leal Lobo e Silva Filho, ex-reitor da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do Instituto Lobo, esse é um gargalo que as escolas de engenharia precisam solucionar. “O engenheiro moderno deve ser orientado a saber o que precisa ser feito, mais do que como fazer”, afirma, abordando este e outros temas na entrevista a seguir. Confira:

Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem mostrando que os cursos de engenharia são o segundo mais procurados, perdendo apenas para os de administração. Quais os pontos positivos dessa alta demanda?
O número de ingressantes nos cursos de engenharia tem crescido vertiginosamente nos últimos anos, cerca de quatro vezes mais que a taxa de crescimento dos ingressantes em geral. No último ano documentado, 2011, os ingressantes aumentaram 27% em relação aos do ano anterior. A maior parte deste crescimento se verificou no setor privado (34%). Até 2005, a demanda esteve quase estagnada, iniciando em 2006 um período de grande recuperação. Para o Brasil, que tinha uma baixa proporção de engenheiros formados em relação ao total de formados (5%) diferentemente dos países da OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (13%) e da Coreia (23%) esse crescimento é benéfico, porque vai formar mais profissionais necessários para atuar em projetos de crescimento industrial e da infraestrutura. Acredito que esse crescimento foi uma resposta a duas sinalizações: a recuperação do crescimento do PIB até 2008 e a sinalização de investimentos estatais e privados pelo PAC e a realização de grandes eventos internacionais no Brasil, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Por outro lado, nem todos que entram nos cursos de engenharia concluem a graduação. A evasão ainda é alta. Como reverter isso?

A evasão é um dos componentes que ameaça o crescimento sustentável da engenharia no país. Crescimento, esse, que está ameaçado pelos seguintes fatores:

1) Desaceleração da economia (crescimento pequeno do PIB).
2) Altas taxas de evasão dos ingressantes (na engenharia, para cada 100 ingressantes se formam aproximadamente 44). Como a evasão se dá principalmente no setor privado, o crescimento do número de ingressantes neste setor provavelmente representará um aumento da evasão global.
3) O número de estudantes que conclui o ensino médio é quase igual ao de novos ingressantes no ensino superior. Isso quer dizer que o crescimento dos ingressantes nas engenharias está se dando à custa da redução de ingressantes em outras áreas.

Para combater a evasão, há várias medidas possíveis que dependem de diferentes agentes. Para as instituições de ensino superior é possível procurar selecionar melhor os estudantes, criar programas de recuperação de conteúdos – principalmente para os alunos dos primeiros anos -, criar programa de orientação vocacional, trazer algumas práticas profissionais já para o início do curso para não deixar o aluno se desmotivar com a carreira. Para o governo, a criação de bolsas de estudo e ampliação dos programas de financiamento ao estudante, como o FIES e o PROUNI, também seria válido. Já para as entidades profissionais, como Confea e Creas, cabe flexibilizar as atribuições profissionais, incentivando a aglutinação de especialidades para formar o engenheiro com uma visão mais geral e com formação pessoal mais ampla. Isso inclui competências não específicas da engenharia, como planejamento, liderança, trabalho em equipe e línguas.

Quando esses estudantes concluírem os cursos e chegarem ao mercado de trabalho, haverá emprego para todos, haja vista que o país não vem crescendo nas taxas que deveria?

Confio na empregabilidade do grande número de engenheiros que eventualmente venha a se formar nos próximos anos. Por dois motivos:

1) Há uma forte carência de engenheiros atualmente no Brasil (estima-se em cerca de 150 mil) e estudos sugerem que se o Brasil mantiver uma taxa de crescimento entre 3 e 5% serão necessários mais de 60 mil formados por ano para suprir as novas demandas. Em 2011, formaram-se 44 mil engenheiros.
2) A formação dos engenheiros em matemática, modelagem e métodos científicos de abordagem de problemas, prepara-os para várias funções no mercado que não de engenharia propriamente dita. Se houver, eventualmente, uma redução na demanda específica de engenheiros muitas outras ocupações poderão estar disponíveis: funções de gerenciamento, bancos, mercado financeiro, etc. Atualmente, somente 1/3 dos engenheiros formados atua na área. Este número não é diferente nos Estados Unidos.

Poderia haver um volume ainda maior de engenheiros no país se o ensino de matemática e física nos ensinos fundamental e médio fosse desmistificado?

Certamente, um dos problemas da educação brasileira que prejudica muito a formação de profissionais nas áreas de ciências exatas é a má formação em matemática e ciências no nosso ensino básico. As colocações brasileiras nos exames internacionais do ensino básico, realizados pela OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), através do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), estão entre as 10 piores entre os países participantes.

Das engenharias, a engenharia civil é a que tem a maior demanda. O status do curso tem influência nisso ou é por que a construção civil realmente sinaliza que tem espaço para absorver novos profissionais?

A engenharia civil é o símbolo das engenharias e um termômetro de seu prestigio e da sua demanda. As previsões feitas pelo Ipea ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) colocam a construção civil como uma das três maiores demandas na área das engenharias.

Surpreende o volume de estudantes que cursam engenharia da produção, superando mecânica e elétrica. Quais as virtudes desse curso para atrair um bom número de alunos?

Verifica-se também uma demanda alta pela engenharia de produção, que é uma área mais multidisciplinar e atende aos estudantes que procuram uma engenharia menos dura e especializada, com maior ênfase em processos e em gestão. Ela acaba absorvendo estudantes que se dividiriam entre outras áreas da engenharia.

Faltam nas universidades uma gama maior de cursos de engenharia?

A excessiva especialização dos cursos de engenharia é outro problema que o setor enfrenta. Havia no Confea 258 especialidades de engenharia, o que indica uma pulverização perigosa. Mesmo porque, a alta especialização no nível de graduação em uma época de acelerado progresso tecnológico tende a fazer com que o estudante se forme em áreas que já se tornaram obsoletas, ao invés de prepará-los para uma rápida adaptação aos novos conceitos e tecnologias por meio de uma formação mais abrangente e menos focada. É o técnico e o tecnólogo que, pela própria formação vocacional, deveriam ter uma visão mais focada em áreas mais restritas e uma formação que os colocasse imediatamente no mercado de trabalho. Não é papel da graduação universitária a de preparar profissionais para se inserirem imediatamente em uma empresa específica. O que se espera deste profissional é uma visão mais ampla. O engenheiro moderno deve saber o que precisa ser feito, mais do que como fazer, segundo os estudos internacionais apontam.

Num comparativo, as universidades públicas ainda têm os melhores cursos de engenharia ou as instituições privadas já equilibraram essa disputa?

De modo geral, as instituições públicas têm apresentado um melhor resultado nas avaliações de seus estudantes do que as instituições privadas. Isso se dá pela maior seleção dos estudantes. As relações candidatos/vagas são muito maiores nas instituições de ensino superior público, por que têm maior prestígio, mais professores titulados e em dedicação exclusiva e, ainda mais, são gratuitas. A qualidade dos estudantes tem influência direta na qualidade dos formandos. Além disso, a maioria dos cursos de engenharia do setor público são diurnos ou em horário integral, absorvendo alunos recém-saídos do ensino médio, o que não ocorre no setor privado, com cursos noturnos, estudantes que trabalham e estudam e trazem menor bagagem cultural.

Como está o nível dos professores que lecionam engenharia nos cursos espalhados pelo país?

O maior problema do corpo docente que atua nos cursos de engenharia no Brasil é a dificuldade de encontrar professores com formação acadêmica avançada – doutorados, de preferência -, que aliem esta formação a uma experiência relevante no mercado de trabalho, como existe nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. No Brasil, o docente tem boa formação acadêmica, mas pouca experiência profissional ou muita experiência profissional e pouca formação pós-graduada. Isto se deve ao fato de que há uma geração atrás havia pouca pós-graduação instalada no Brasil e a pós-graduação se concentrava nas áreas das ciências básicas. Outro problema é o fato de que as empresas brasileiras não dão o valor devido à formação pós-graduada. Em parte, pela quantidade muito limitada de programas de inovação competitivos internacionalmente, o que faz com que estes profissionais se abriguem nas universidades e não tenham experiência profissional no setor produtivo (para cada 50 doutores trabalhando em nossas universidades há somente 1 nas empresas).

Entrevistado
– Roberto Leal Lobo e Silva Filho, engenheiro e doutor em física, ex-reitor da USP, presidente do Instituto Lobo e diretor do ISITEC (Instituto Superior de Inovação e Tecnologia)
Currículo
– Roberto Leal Lobo e Silva Filho é graduado em engenharia elétrica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1961), com mestrado em Física pela Purdue University (1967) e doutorado em Física pela Purdue University (1967)
– Atualmente é membro do conselho deliberativo do núcleo de pesquisas sobre ensino superior (USP), sócio-diretor do Lobo & Associados Consultoria e Participação S/C Ltda., professor-visitante do Instituto de Estudos Avançados (USP) e presidente do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia
Contato: www.loboeassociados.com.brrllobo@loboeassociados.com.br
Créditos foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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