Cinpar e SBTA apontam novos rumos para a construção civil
Eventos realizados recentemente em Curitiba reuniram alguns dos principais especialistas sobre patologias na construção e tecnologia de argamassa.
Eventos realizados recentemente em Curitiba reuniram alguns dos principais especialistas sobre patologias na construção e tecnologia de argamassa
Nos meses de maio e junho ocorreram, em Curitiba, dois eventos importantes para a construção civil: o SBTA (Seminário Brasileiro de Tecnologia das Argamassas) e o Cinpar (Congresso Internacional sobre Patologia e Reabilitação de Estruturas). Os simpósios serviram para apontar novos rumos para o setor no Brasil e aproximar o país do que está em debate atualmente em outras regiões do mundo. Para falar sobre os conteúdos tratados nos dois eventos, foram entrevistados os professores Cesar Henrique Sato Daher, do Instituto IDD (Instituto De Luca e Daher), e Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa, do departamento de construção civil da Universidade Federal do Paraná. Confira:
Entrevista 1
Cinpar revela que patologias de obras é preocupação mundial
O debate sobre patologias em construções é um assunto recorrente, correto? Desde quando o tema entrou na pauta aqui no Brasil e quais as correções de rumos que ele ajudou a serem tomadas ao longo deste processo?
Cesar Henrique Sato Daher – O assunto patologia em construção entrou na pauta do país na década de 80. Foi a partir de estudos dos professores Paulo Helene e Antônio Carmona Filho, feitos no Instituto Eduardo Torroja em Madri (Espanha), que eles trouxeram essa ciência para o Brasil. Antes disso, havia o conceito de que as obras eram eternas, que o concreto era eterno, mas comprovou-se que o material, ao longo do tempo, está sujeito a corrosões das armaduras e a colapsos das estruturas. Quando isso ocorre, principalmente em obras de vulto, como o metrô de São Paulo, por exemplo, causa grandes impactos na sociedade e na engenharia civil em si. Então, com os estudos sobre patologias, tem-se procurado dar mais segurança e durabilidade às nossas obras. Hoje está comprovado que uma boa prática de execução de engenharia está diretamente ligada com a prevenção de patologias. Não só a patologia do ponto de vista de uma ciência que estuda o pós-ocorrido, mas do diagnóstico das causas para evitar que obras futuras venham a sofrer do mesmo mal.
Daria para dizer que essa discussão sobre patologias também ajudou a construir determinadas normas da ABNT focadas em edificações?
Cesar Henrique Sato Daher – Com certeza. Houve mudanças principalmente nas normas de projetos e estruturas. Antigamente não se priorizava a parte de durabilidade das estruturas. A partir de 2001, quando começou a discussão da norma de cálculo estrutural, que foi revisada em 2003 e editada em 2004, na versão definitiva, começou-se a levar em consideração essa questão de vida útil. A partir daí vieram novas normas, em especial a de desempenho de edifícios até cinco andares, que entra em vigor em 2010. Ela também reforça a questão da vida útil e define maiores cobrimentos de armaduras na parte de estrutura, assim como concretos com menor relação água/cimento, mais duráveis, com mais resistência à corrosão, seja por cloreto, carbonatação, ataque a sulfato ou, como ocorreu em Recife, onde edifícios tiveram ataques de álcali-agregado, conhecido como câncer do concreto. Sobre isso saiu uma norma em 2008, que ensina a prevenir essa patologia. Então, as recentes normas vieram para ajudar a prevenir, já que o custo para recuperar uma construção com esses problemas é extremamente alto.
Quais as principais causas de patologias em construção: uso de material inadequado, mau uso do material ou má qualidade dos profissionais envolvidos na construção?
Cesar Henrique Sato Daher – É uma superposição de fatores. Mas, sem dúvida nenhuma, a maior parte está relacionada ao projeto inadequado, à especificação de materiais inadequados e à falta de controle dos materiais usados, ou seja, receber o material na obra e avaliar se ele tem condições de ser usado e se está de acordo com a normatização vigente. Também entra nesta lista o processo construtivo, haja vista que a mão de obra tem deixado a desejar.
O clima brasileiro influencia de que forma no favorecimento de patologias, já que boa parte das grandes cidades está próxima ao mar?
Cesar Henrique Sato Daher – Essa condição geográfica e climática influencia muito. Tem, por exemplo, a questão da névoa salina em beira-mar, que propicia a geração de sulfato e ataca diretamente os revestimentos, principalmente os concretos de sacadas. As armaduras são altamente afetadas por conta da névoa salina. Tudo isso exige um concreto adequado, combinado com uma execução que leve em conta os fatores ambientais. É importante ressaltar que só usar material de boa qualidade não é suficiente. O material não é milagroso. É preciso que quem vai executar o projeto, no caso o engenheiro de obras, tenha os cuidados adequados.
Especificamente sobre as cidades localizadas no sul do país, em função do frio e da chuva, quais as patologias mais comuns?
Cesar Henrique Sato Daher – O frio não afeta diretamente as construções. A não ser em casos isolados, onde há climas com temperaturas muito abaixo de zero, onde pode ocorrer o problema da expansão da água dentro do concreto e ocasionar rompimentos de estrutura, gerando uma abertura para que intempéries ataquem o material. Mas, sobre o inverno brasileiro, ele não oferece nenhum grande risco às obras. No Brasil, a situação mais preocupante ocorre no nordeste, onde a alta salinidade e o calor fazem uma combinação que afeta muito o concreto das edificações. Ainda sobre essa questão de influencia do clima, descobriu-se recentemente na Inglaterra que a utilização de agregados de fonte carbonática, agregados de calcário, em presença de sulfatos, e combinados com o frio, geram problemas sérios nas estruturas de pontes. O fenômeno causa o derretimento do concreto, pela formação de talmazita por ataque de sulfato. Essa reação está estimulando um amplo estudo no Reino Unido e as primeiras conclusões começam a chegar ao Brasil.
Obras de recuperação hoje respondem por quanto dos investimentos em construção civil?
Cesar Henrique Sato Daher – Há um estudo mundial que concluiu que nas próximas duas décadas se gastará mais com recuperação de obras do que com a construção de novas edificações. Existe a lei de Sitter, comumente chamada de lei dos cinco, que diz o seguinte: projeto inadequado aumenta o custo em 5%, construção errada eleva preço da obra em 25% e falta de manutenção amplia gastos para 125%. Ou seja, o custo cresce exponencialmente a cada etapa que é quebrada na construção correta e na manutenção de uma obra.
Do 5.º Cinpar, realizado em junho em Curitiba, quais as principais conclusões tiradas?
Cesar Henrique Sato Daher – O congresso revelou que há uma preocupação mundial com o estudo das patologias. Esse é um dos maiores focos da engenharia hoje. Está se pesquisando desde novos materiais que possam combater as patologias até o aprofundamento de diagnósticos precoces, que possam aplacar esses mecanismos de degradação. Um tema revelado no congresso foi o estudo de nanoestrutura do concreto, trazendo a nanotecnologia para a construção civil. Mas isso ainda está no campo das pesquisas e vai levar algum tempo para chegar ao dia a dia das construções.
Um tema que está na pauta atualmente é o programa Minha Casa, Minha Vida. Ele foi debatido no congresso?
Cesar Henrique Sato Daher – Um dos palestrantes, o professor José Marques, falou sobre essas obras programáticas do governo e defendeu que elas precisam se pautar pela sustentabilidade. Neste caso, ele não abordou apenas a construção de casas, mas de estradas, barragens e outras obras de infraestrutura do país.
Uma obra que é construída tomando cuidado para evitar patologias gera que tipo de economia?
Cesar Henrique Sato Daher – O que tem de se imaginar é o seguinte: toda obra, principalmente as de uso comum da sociedade, se precisar de reparos após sua construção, vai gerar impacto social, impacto ambiental e impacto financeiro muito grandes. Então é preciso levar isso em conta na hora de se projetar e de se construir obras vultuosas.
No caso das obras públicas, rodovias e viadutos são as mais atingidas por patologias. Por que isso ocorre?
Cesar Henrique Sato Daher – Ocorre pela falta de preocupação com a monitoração e a manutenção. Há muitas falhas nos sistema de fiscalização durante a obra, inspeção após a obra concluída e manutenção ao longo da existência da obra. Então, as licitações, já desde o projeto, deveriam prever essas etapas, o que, na maioria das vezes, não ocorre. No que isso resulta? Boa parte das obras públicas tem pouca durabilidade.
Entrevista 2
SBTA prioriza influencia de agentes climáticos na argamassa
Qual o tema que centralizou os debates no VIII Simpósio Brasileiro de Tecnologia das Argamassas (SBTA)? Quais as principais conclusões tiradas do encontro?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – O evento abordou muitas das discussões voltadas ao impacto das propriedades das argamassas no desempenho de revestimento e a importância de se considerar os agentes climáticos. No estado fresco, o foco das discussões foi na caracterização reológica das misturas, com atenção especial para o procedimento de mistura e teores de água. No estado endurecido, a propriedade permeabilidade teve destaque fundamental. O desempenho do revestimento aplicado foi também amplamente discutido, assim como a importância do intercâmbio de conhecimento através da interação entre indústrias, universidades e construtoras. Os trabalhos científicos apresentados nesse evento estarão disponibilizados em breve no site do Infohab (www.infohab.org.br).
Entre as novidades tecnológicas apresentadas no simpósio, qual ou quais mais se destacaram?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – A palestra do professor-doutor Vasco Peixoto de Freitas, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (Portugal), no tema Tipificação de Patologias de Argamassas, trouxe novidades surpreendentes sobre a abordagem de patologias em argamassas através de uma visualização conjunta da edificação. Esse trabalho gerou uma relação de fichas orientativas disponibilizadas no site www.patorreb.com, divulgado no evento. Trata-se de um trabalho inédito.
Questões como mudanças climáticas foram debatidas no simpósio, já que elas influenciam nos sistemas construtivos?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – A importância do clima no desempenho dos revestimentos de argamassa é uma questão debatida já faz alguns anos nos SBTAs. O que se observa é que o público de pesquisadores tem pleno entendimento que o clima influencia, mas ainda faltam ações efetivas sobre o tema. Nesse sentido, o objetivo do GT Argamassas da Antac, a partir de então, será orientar grupos de pesquisa localizados em diversas regiões do Brasil para a investigação das influências climáticas locais, de forma a proporcionar para o IX SBTA discussões quantitativas sobre o tema.
De que forma as conclusões de um simpósio desta envergadura chegam ao consumidor final?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – Foi realizado um levantamento sobre o público no evento e pudemos constatar que aproximadamente 70% dos presentes estavam relacionados com a indústria (de insumos, equipamentos, etc) de praticamente todos os estados brasileiros. Isso nos surpreendeu positivamente, pois a constatação é que haverá a conexão mais rápida e direta dos assuntos abordados nesse evento com o consumidor final. Cabe destacar também que um dia específico do simpósio foi dedicado ao construtor, com a apresentação de palestras e estudos de caso de construtoras.
Em termos de normas da ABNT, hoje elas atendem plenamente a qualidade da argamassa ou novas normas estão em estudo para melhorar ainda mais o produto?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – As normas da ABNT referentes às argamassas possuem ainda deficiências. Há a necessidade que se evolua para a especificação de argamassas por região do país, tendo-se em vista a importância das influências climáticas regionais no desempenho do material. Atualmente, a normalização de argamassas de revestimento e assentamento está em fase de revisão e alguns métodos de ensaios, assim como limites de requisitos de qualidade, estão sendo reavaliados.
Como está o estudo da argamassa no Brasil. O país é destaque na produção deste produto ou ainda importa tecnologia?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – A pesquisa em argamassas evoluiu sobremaneira nos últimos cinco anos, para o entendimento do comportamento reológico de argamassas no estado fresco. O Brasil foi pioneiro na proposta de um novo ensaio que caracteriza este comportamento reológico, também chamado Squeeze Flow. Trata-se de um ensaio adaptado do setor de alimentos para o setor de argamassas, de fácil implantação em laboratórios de materiais, no qual se entende a deformabilidade do material quando solicitado por uma carga. Ou seja, procura-se verificar o comportamento da argamassa na fase prática de aplicação, se é adequada ou não para aquele serviço.
Algumas universidades desenvolvem estudos sobre argamassa. Essas pesquisas poderiam abranger mais escolas ou o nível de busca do conhecimento está adequado?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – A busca pelo conhecimento deve ser perene. O que se descobre hoje deve ser mais um suporte para as descobertas do amanhã. Muitas universidades do Brasil, incluindo-se a Universidade Federal do Paraná, desenvolvem pesquisas na área de argamassas. Há projetos comunitários entre universidades e outros isolados. O que se observa é que há uma exigência muito importante em editais de agências de fomento à pesquisa para a inovação tecnológica e a redução de desperdícios. Quando se fala em desenvolvimento tecnológico não podemos perder de vista esses dois pilares principais. Assim, um programa inovador na área de materiais de construção, mais especificamente em argamassas, é o Consitra (Consórcio Setorial e para Inovação em Tecnologia de Revestimentos de Argamassa). Criado em 2004, o Consitra é uma iniciativa inédita, pois integra vários agentes da cadeia produtiva em um projeto com objetivo comum: desenvolver, no âmbito dos revestimentos, novas tecnologias pautadas por atributos como confiabilidade, produtividade, durabilidade e custo compatível com o mercado nacional. Seus integrantes são: Abai, ABCP, Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Construção Civil (Abratec), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e Universidade Federal de Goiás. O Programa está sendo revisto este ano e o objetivo será agregar um número maior de universidades para o grupo de pesquisa.
O governo tem participação no incentivo aos estudos ou participa pouco?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – O governo, através das agências de fomento à pesquisa, como Finep, CNPQ e Capes, tem incentivado a pesquisa através da publicação de editais diversos na área de construção. O que se observa é que quase sempre as mesmas universidades acabam sendo contempladas dentro dos critérios estabelecidos, pois mais dinheiro gera mais equipamento e mais mão de obra e, consequentemente, mais publicação. O currículo lattes do corpo de pesquisadores representa um peso grande na avaliação dos projetos contemplados.
Na cadeia construtiva a argamassa ganha cada vez mais destaque. Desde quando o produto passou a ter essa importância?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – As argamassas mais antigas eram à base de cal e areia. O primeiro emprego de argamassa como material de construção é da pré-história, há cerca de 11 mil anos. Existem também vários registros do emprego de argamassas de cal e gesso pelos egípcios, gregos, etruscos e romanos. Com as alterações das técnicas de construção foram introduzidos à argamassa de cal, o cimento, aditivos ou adições, transformando-a numa argamassa mista. Entretanto, o uso da argamassa de cal continua. Porém, no final do século XIX surgiram na Europa e nos Estados Unidos as misturas prontas de argamassa (argamassa industrializada), necessitando apenas da adição de água. Pode-se dizer ainda que a pesquisa tecnológica em argamassas teve seu início com a publicação dos primeiros trabalhos no I SBTA, ocorrido em Goiânia em 1995. Daí em diante o desenvolvimento tecnológico nessa área vem crescendo sobremaneira.
Um tema que está na pauta atualmente é o programa Minha Casa, Minha Vida. Ele foi debatido no simpósio, de que forma?
Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa – Esse é um programa importante para a sociedade, visto que disponibilizará em um futuro próximo a construção de um milhão de moradias para famílias de baixa renda, através da promoção de parcerias entre as iniciativas privada e pública. Esse tema não foi debatido no simpósio, mas certamente muitas das discussões ocorridas no simpósio contribuem para a redução do custo da construção com a manutenção da sua qualidade.
Entrevistados:
Professor Cesar Henrique Sato Daher: daher@institutoidd.com.br
Professora Marienne do Rocio de Mello Maron da Costa: mariennecosta@uol.com.br
Jornalista responsável – Altair Santos MTB 2330 – Tempestade Comunicação
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