Brasil busca modelo próprio para industrializar obras

2 de janeiro de 2012

Brasil busca modelo próprio para industrializar obras

Brasil busca modelo próprio para industrializar obras 150 150 Cimento Itambé

Dois dos principais especialistas em construção civil revelam o que o país precisa para produzir habitações em alta escala

Por: Altair Santos

A tecnologia está cada vez mais presente na construção civil brasileira, o que permitiria que ela industrializasse sobremaneira os canteiros de obras. No entanto, há obstáculos que impedem esse avanço. Entre eles, a legislação, principalmente a tributária, e também a qualificação da mão de obra. Essas amarras, aliadas a travas culturais, só serão superadas quando o país conseguir encontrar um modelo de industrialização que se adapte às suas exigências legais e às peculiaridades de cada uma das regiões do país, principalmente no setor habitacional. É o que avaliam dois especialistas em industrialização de obras: o professor de engenharia legal Rui Nogueira Paes Caminha Barbosa e a consultora em engenharia civil Maria Angélica Covelo Silva. Confira a entrevista simultânea:

Rui Nogueira: “Existem entraves culturais, técnicos e legais a serem superados”.

Hoje, há um debate sobre a necessidade de o Brasil promover a industrialização da construção civil, para o setor tornar-se mais competitivo. Quais os entraves a serem superados para que isso ocorra?
Rui Nogueira – Em ordem de dificuldade a serem superadas, percebo que existem entraves culturais, técnicos e legais. Não há uma cultura difundida de utilização de processos industriais na construção civil, principalmente no setor residencial. Isso ocorre por algumas razões: rejeição ao novo, por se entender que se perde em identidade de projeto quando há industrialização e ainda porque parte considerável desse setor remanesce bastante pulverizado em pequenas e médias construtoras que entendem, por não terem produção em alta escala, que não aufeririam grandes vantagens com a industrialização do canteiro de obras. Esse elemento cultural pode ser superado pelo próprio mercado, que tende a replicar sempre o que é mais rentável. Ou seja, a partir do momento que as grandes construtoras forem aplicando esses conceitos e que o consumidor perceba vantagem financeira nisso, naturalmente os demais deverão seguir o modelo que melhor responda ao binômio custo x benefício. Nos termos técnicos, é preciso verificar que o Brasil é um país continental e com grandes diferenças regionais, de forma que um modelo de construção civil utilizado no sudeste do país pode não ser a melhor opção para outras regiões mais quentes, como norte e nordeste por exemplo. Nesse caso, talvez um processo descentralizado que aproveite os materiais em abundância de uma determinada região, e que tenha uso mais adequado para aquela área, seja melhor do que uma alternativa homogênea num país extremamente heterogêneo como o nosso Brasil. Também no aspecto técnico há uma carência de pesquisa especializada na área. Por fim, os entraves legais são os de ordem tributária.
Maria Angélica Covelo Silva – Os principais entraves são: capacidade de elaboração de projetos de sistemas industrializados incluindo padronização e coordenação modular, tributação de sistemas industrializados e capacitação de mão de obra para apropriar adequadamente os benefícios dos sistemas industrializados.

Há setores em que a industrialização já é predominante, principalmente em construções como shopping center e supermercados. Por que para essas obras a industrialização funciona e para outras não?
Rui Nogueira – No setor residencial, características como projeto e ambientação são mais relevantes do que nos setores comercial e industrial. A industrialização traz uma série de benefícios, mas com isso também vem algumas padronizações que pode importar em rigidez de projeto. Acomodar mercadorias, em tese, será sempre mais fácil do que acomodar seres humanos, o que demanda um grau maior de personalização em termos de projeto. Também deve-se levar em conta nesse caso o que foi dito anteriormente, com relação ao fato de que o setor comercial e industrial é mais comum às grandes construtoras, as quais têm mais facilidade de adaptação a novas tendências.
Maria Angélica Covelo Silva – Por que nestas obras o investidor/empreendedor precisa colocar o edifício em operação num ciclo curto para ter o retorno do investimento. Então, está disposto a assegurar um fluxo de caixa para a obra que viabiliza os sistemas industrializados. A conta que se faz é que a entrada em funcionamento rapidamente do shopping ou do supermercado representa um faturamento diário de “x” reais. Daí o atrativo de fazer a obra em ciclo curto.

No caso do setor habitacional, haja vista os programas governamentais e a grande demanda por imóveis, por que a industrialização não consegue se fixar?
Rui Nogueira – Acredito que isso esteja mudando e que a industrialização no setor residencial será uma realidade cada vez mais evidente, principalmente no que concerne a grandes projetos habitacionais e àqueles incentivados pelos programas governamentais.
Maria Angélica Covelo Silva – Principalmente em função do fluxo de recursos financeiros que está baseado numa lógica de desembolso mais lenta do que a lógica da industrialização.

O Brasil dispõe de tecnologia, referindo-se a estruturas pré-moldadas, para construir prédios habitacionais?
Rui Nogueira – Diria que o Brasil dispõe de tecnologia para certos tipos de prédios habitacionais, mas possui condições para incrementar aquilo que já possui e desenvolver novas técnicas. Outras regiões do mundo, como Europa e Estados Unidos, estão mais avançadas do que nós nesse quesito.
Maria Angélica Covelo Silva – Sim, dispõe mas isto não é homogêneo em todo o país.

Se fossem adotados processos de industrialização para a construção de habitações populares, por exemplo, o Brasil poderia reduzir o déficit habitacional em um tempo mais curto?
Rui Nogueira – Sim, pois um dos objetivos da industrialização é a redução do prazo da execução do serviço.
Maria Angélica Covelo Silva – Poderia, mas isso não basta para essa redução. Há que ter um programa inteligente de destinação de recursos, a fim de reconhecer quais sistemas industrializados podem ter desempenho superior no setor habitacional.  Outro item importante é a infraestrutura urbana para que se possa instalar estes empreendimentos.

Em termos de custo, uma obra industrializada ainda não consegue ser competitiva com uma obra convencional, por causa da legislação fiscal?
Rui Nogueira – A legislação fiscal atual não permite àqueles que adotam um regime de construção industrializada a tirar o máximo proveito dessa medida. Podemos citar dois casos de entraves tributários: (i) ICMS – as elevadas alíquotas sobre os insumos que integram os sistemas construtivos industrializados acabam por incentivar uso de processos tradicionais (artesanais), com alíquotas inferiores, o que resulta na produção de componentes no próprio canteiro; (ii) INSS – O custo previdenciário na construção civil é tradicionalmente pautado em tabelas de consumo de mão de obra por área construída associado a sistemas construtivos convencionais. Contudo, esse sistema não consegue abarcar os benefícios em economia de mão de obra alcançados pela substituição da produção manufatureira pela industrialização da obra, na qual a produção em fábrica reduziria, em consequência, a mão de obra empregada.
Maria Angélica Covelo Silva – Isso também é forte, mas porque não há uma medição adequada da produtividade e da transferência de ganhos para os preços dos serviços.

O que poderia ser feito para incentivar processos industriais na construção civil?
Rui Nogueira – Dirimir os entraves que mencionamos antes, cultural, técnico e fiscal. Os dois primeiros podem ser resolvidos pelo próprio setor privado da construção civil, o que torna mais fácil a solução. O terceiro item, entraves fiscais, como depende de alteração da legislação, ou pelo menos do entendimento do fisco no caso do ICMS, é mais complicado e acaba por influenciar no processo de industrialização como um todo. Mesmo que haja disposição do mercado consumidor em adquirir unidades cada vez mais pré fabricadas e ocorra um incremento na tecnologia disponível, o risco fiscal pode inviabilizar a opção por esse sistema. Assim, para que se possa traçar o perfeito equilíbrio entre eficiência e celeridade mediante a industrialização do processo construtivo e a acessibilidade do produto ao consumidor final, é latente a necessidade de uma reforma da legislação tributária voltada ao setor da construção civil, acompanhada de incentivos à industrialização e inovação tecnológica do setor, que contemplem os avanços desse mercado e seja comprometida com o desenvolvimento isonômico do país.
Maria Angélica Covelo Silva – Mudar a tributação, criar incentivos de retirada de operações de canteiro de obra, como incentivo às obras com maior grau de industrialização, além de capacitar projetistas, capacitar empresas prestadoras de serviços, inclusive quanto à apropriação da produtividade.

A industrialização esbarra também na pouca capacitação de profissionais que atuam nos canteiros de obras?
Rui Nogueira – Acredito que o Brasil carece de mão de obra qualificada como um todo, especialmente a de ordem técnica. Nesse sentido é louvável que o governo federal e alguns governos estaduais tenham voltado esforços nos últimos anos para a maior formação de técnicos no país. Isso significa que a pouca capacitação de profissionais do setor de construção civil é sim um óbice que precisa ser superado. Contudo, essa já é uma barreira atual, independentemente da industrialização, e que pode ser superada mediante treinamento específico.
Maria Angélica Covelo Silva – Também. Mas é mais fácil capacitar para sistemas industrializados do que para o artesanato do convencional.

Sob o ponto de vista da legislação ambiental, há também entraves que atrapalham a industrialização?
Rui Nogueira – A legislação ambiental no Brasil é tida como avançada e rígida em vários aspectos. No caso da industrialização na construção civil ela não atrapalha, mas é um item a ser observado. Toda atividade que gera impactos ambientais, e esse é o caso da atividade industrial, deverá estar sujeita a licenciamento próprio.
Maria Angélica Covelo Silva – Não, pelo contrário, os sistemas industrializados colaboram com o meio ambiente pela menor geração de resíduos.

Significa que, em termos de sustentabilidade, a industrialização da construção civil deveria ser incentivada?
Rui Nogueira – Essa é uma pergunta que pode gerar respostas divergentes, pois em ambos os processos (artesanal e industrial) tem-se a utilização de insumos e criação de resíduos, que são elementos de impacto ambiental. Contudo, na minha opinião, com vista ao caso específico da construção civil, vejo que o processo industrial mostra-se mais adequado, pois racionaliza o uso da matéria prima e evita os desperdícios comuns aos canteiros de obra. Assim, não há que se falar em entrave ambiental, mas ao contrário, em nome da sustentabilidade, deve ser percebido esse quadro de evolução e serem criadas políticas que estimulem a industrialização por se mostrar medida mais adequada aos caros ideais de sustentabilidade atuais.
Maria Angélica Covelo Silva – Sim, pensando no tripé econômico, social e ambiental só há fatores positivos com a industrialização.

Entrevistados
– Rui Nogueira Paes Caminha Barbosa, advogado e especialista em engenharia legal
– Maria Angélica Covelo Silva, engenheira civil e sócio-fundadora das empresas Centro de Tecnologia de Edificações (CTE) e Núcleo de Gestão e Inovação (NGI)

Currículos
Rui Nogueira Paes Caminha Barbosa é advogado, sócio-fundador do escritório Caminha Barbosa & Siphone Sociedade de Advogados
– Bacharel em direito pela Universidade de São Paulo
– Possui MBA em Conhecimento, Tecnologia e Inovação pela Fundação Instituto de Administração (FIA)
– Foi professor de engenharia legal na Faculdade de Engenharia de São Paulo
– É administrador de empresas do ramo imobiliário e hoteleiro e consultor imobiliário para investidores internacionais no Brasil
– Palestrante da Athena – Instituto Brasileiro de Soluções Jurídico-Empresariais
Maria Angélica Covelo Silva é engenheira civil e mestre pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, além de doutora pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
– É sócio-fundadora das empresas Centro de Tecnologia de Edificações (CTE) e Núcleo de Gestão e Inovação (NGI)
– Autora de cerca de 100 artigos técnicos publicados em revistas especializadas em engenharia e construção, no Brasil e no exterior
– Também possui livros publicados, dentre eles “Sistema de gestão da qualidade para empresas construtoras”
Contatos: rui.caminha@cbcsadvogados.com / ngi@ngiconsultoria.com.br

Créditos foto: Divulgação

Jornalista responsável: Altair Santos – MTB 2330
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