Arquitetura sustentável requer estratégia
Uma obra que mereça o rótulo de sustentável precisa ter projeto, materiais e mão de obra compromissados com o meio ambiente
Uma obra que mereça o rótulo de sustentável precisa ter projeto, materiais e mão de obra compromissados com o meio ambiente
Muito se fala em arquitetura sustentável. Mas quais são os processos que devem ser seguidos para que uma obra possa dizer que segue o conceito de arquitetura sustentável? Professor da área de Inovação Tecnológica e Sustentabilidade e coordenador do escritório verde da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Eloy Fassi Casagrande Júnior revela que muitos setores da cadeia produtiva da construção civil se apropriaram de termos ecológicos e sustentáveis, porém sem praticá-los.
Segundo ele, obras com padrões de sustentabilidade precisam atender requisitos que vão desde o projeto, até a escolha dos materiais e a contratação da mão de obra. Fora isso, alerta o especialista, a arquitetura sustentável não se sustenta. É o que ele explica na entrevista a seguir. Confira:
O senhor não acha que o marketing se apropriou do termo arquitetura sustentável e muitas vezes se vende uma edificação como sendo sustentável e ela não segue nem 10% dos conceitos de sustentabilidade em seu processo construtivo?
Acho que você tocou num ponto certo. O que estamos vendo nos últimos cinco anos é exatamente isso. Como o meio ambiente se tornou um argumento de venda no setor da construção civil, ele se apropriou desta questão, da palavra eco, da palavra sustentável. Todo o mundo agora é ecológico, todo o mundo agora é sustentável. Mas quem comprova isso? O que está faltando realmente são sistemas que garantam que aquilo que é anunciado por uma construtora ou por um profissional realmente cumpre com as normas de sustentabilidade. Então, o que vemos é uma gama enorme de anúncios de construções deste padrão, feitas, muitas vezes, por profissionais que não têm formação adequada. Quem quer buscar este conceito de construção tem que se aprofundar, às vezes até de forma empírica, ou buscar conhecimentos numa especialização, num mestrado ou num doutorado. Em certos casos, há até má fé no anúncio deste tipo para um público leigo.
Quais os princípios básicos que devem ser seguidos para que uma obra possa dizer que segue o conceito de arquitetura sustentável?
A gente sempre diz que uma obra é 70% planejamento e 30% execução. Então, se você, desde o início, atentar para elementos que sejam do critério de sustentabilidade na elaboração do projeto, você já está ganhando pontos nisso. A primeira situação é ver o terreno em que será construída a obra, respeitando as condições físicas, geográficas do local, não fazendo muitas movimentações de terra, não desmatando, preservando o máximo possível. É preciso verificar também se há alguma fonte de água, a qual precisa ser respeitada. Depois, têm as questões do mapa climático, para adequar as condições de conforto térmico da casa. A obra precisa ser mais quente ou tem de ser mais fresca? Para isso existem as linhas, os critérios muito bem definidos dentro daquilo que se chama arquitetura bioclimática. A outra situação é a questão dos materiais. É preciso fazer um check list sobre o impacto que os materiais irão causar.
Hoje existe uma ciência que se chama análise do ciclo de vida, que permite saber do berço ao túmulo sobre aquele material, desde a extração até o destino final. Nesta sequência, dá para estabelecer se o material é mais ou menos ecológico, do ponto de vista de uso de energia, de emissão de carbono, do uso de água na sua fabricação.
Outra questão é a quantidade de resíduos produzidos na obra. A gestão de resíduos é importantíssima na construção civil. Nós temos uma lei do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) – a resolução CONAMA N.° 307 de 5 de julho de 2002 -, que reza que todo o município tem que estabelecer uma gestão dos resíduos. Hoje se produz muito mais resíduos na construção civil do que resíduos domésticos. E estes entulhos, às vezes, não têm local apropriado para o seu destino final e acabam aí indo parar em vales, rios, áreas abandonadas e isso causa um problema ambiental seriíssimo.
Por fim, outro ponto de vista da questão sustentável é a questão social. Você tem que ver as condições do trabalhador, a questão de segurança, a questão de mão de obra especializada. É preciso ter maior atenção no uso de determinados materiais e no uso de determinadas tecnologias na construção sustentável. Os profissionais que operarem nesta obra precisam ser certificados.
Há uma prática comum de padronização das construções. Se constroi da mesma forma em Manaus, Salvador e Porto Alegre. Uma construção sustentável precisa respeitar o meio ambiente local?
Com certeza, este é um dos grandes problemas do Brasil. Convencionou-se um padrão de construção, sem levar em conta as questões climáticas. Na Amazônia, por exemplo, deveriam prevalecer as construções com madeira certificada. Mas é na região Sul, onde é mais frio, com temperaturas que chegam abaixo de zero, que há mais casas de madeira. E essas são casas que não tem a mínima condição de manter um conforto térmico para as pessoas. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro, onde as construções obrigam que o ar-condicionado fique ligado 24 horas. Imagine o impacto que isso causa na produção de energia. Tudo isso é reflexo de construções inadequadas para o ambiente onde elas foram construídas.
Existem normas da ABNT que servem para orientar uma construção de acordo com a arquitetura sustentável?
Não existem normas específicas para a construção sustentável, mas existem algumas normas que servem de base para que uma construção siga o conceito de sustentabilidade.
Tecnologias locais devem ser levadas em conta na arquitetura sustentável?
Com certeza. Nós perdemos muito das tradições construtivas que havíamos herdado de um conhecimento tácito, empírico, de nossos ancestrais, de nossos avós e bisavós, que foi se perdendo ao longo do tempo. Abandonamos, em nome da tecnologia, da inovação, soluções que estavam mais ao alcance da população. Em troca, importamos know-how caros, que requerem uso intenso de energia e, às vezes, inapropriados para aquele ambiente. Isso gerou construções menos humanas e mais agressivas esteticamente. Muitas vezes, elas são impostas por modelos construtivos que desrespeitam a cultura local e o padrão de construção local. Em lugares históricos às vezes vemos aberrações da arquitetura que ofendem a própria cultura. Acho que tem que ter um pouco de atenção a isso, não deixando o lado da modernidade, da inovação, mas respeitando as culturas e as tradições locais.
Em relação ao bahareques, da Colômbia: como são essas construções?
O bahareques não é nada mais que a nossa construção de pau a pique, a famosa construção de estrutura de madeira de bambu com argamassa. E esta argamassa pode ser o barro ou um cimento de baixa emissão. O bahareques é uma construção rápida, de menor ameaça em casos de sismos. Na Colômbia existe um manual para construção de bahareques em áreas de sismo, que foi inclusive executado na Armênia após o terremoto de 1999. E não só lá. Antigamente, no próprio Japão, usavam estrutura de bambu em áreas de sismo. Em outros países desenvolveram outras tecnologias também, mas o importante é voltar àquela questão: saber o que os nossos antepassados usavam. Trata-se de um conhecimento que estamos passando por cima, em nome da modernidade da construção.
Eventos como os que ocorreram em Angra dos Reis e no Haiti podem servir para reorientar os processos construtivos, levando a uma arquitetura sustentável menos marqueteira e mais conectada com a realidade?
Eu acho que infelizmente são estes tipos de situações que nos levam a repensar todo o sistema. Foi preciso que acontecesse isso na Colômbia para que houvesse uma mudança de área de construção e uma recuperação do conhecimento do bahareque, melhorado pela engenharia das universidades. Talvez agora no Haiti ou na Itália, onde aconteceu a mesma coisa no ano passado, se repense como vão reconstruir os edifícios. Tratam-se de áreas sujeitas a terremotos e é preciso repensar a construção neste sentido para garantir a segurança das pessoas.
A busca pelo menor custo não atrapalha a sustentabilidade das construções?
Isso varia muito em relação a custo. A sustentabilidade pode estar de acordo com o orçamento de cada um. Você pode executar com alta tecnologia, dentro do conceito sustentável, e gastar um milhão ou gastar cem mil e também executar uma construção sustentável. Hoje há uma oferta muito maior de materiais e de tecnologia, inclusive a reutilização de materiais. Um exemplo é a casa onde eu moro, em Curitiba, construída há 10 anos. Ela privilegiou a reutilização de materiais e foi construída com 80% de material de demolição. Além disso, ela dispõe de aquecimento solar da água e coleta de água da chuva. A construção também atendeu aos princípios de arquitetura bioclimática, como ventilação cruzada, iluminação natural, telhado de vidro, clarabóia e área de jardim de inverno. Nem por isso ela ficou mais cara que uma casa convencional. Aliás, ficou 30% mais barata que uma construção convencional.
Os novos profissionais que as escolas estão formando têm essa consciência de sustentabilidade mais arraigada?
Eu acho que a geração que está vindo aí já tem muita informação sobre os problemas ambientais. O que falta, muitas vezes, é o currículo escolar se adaptar a esta nova realidade. O currículo de uma universidade, por exemplo, é muito lento para se adaptar a esta transformação. Apesar das pessoas estarem informadas, há resistência nas mudanças, um pouco por causa da burocracia. É preciso uma agilidade maior nas mudanças, nas grades curriculares, na mentalidade daquele que ensina, para que se atualize com as novas necessidades em relação ao ambiente.
Entrevistado: Eloy F. Casagrande Jr: eloy.casagrande@gmail.com
Currículo do entrevistado
Ph.D em Inovação Tecnológica & Sustentabilidade
Professor do departamento Acadêmico de Construção Civil DACOC, do programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil PPGEC, do programa de Pós-Graduação em Tecnologia PPGTE e da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR
Bacharelado em Design, PUC-PR (1983)
Doutor em Eng. de Recursos Minerais e Meio Ambiente, University of Nottingham, UK (1996)
Pós-doutor em Inovação Tecnológica e Sustentabilidade, Instituto Superior Técnico, IST, Lisboa (2007)
Jornalista responsável Altair Santos MTB 2330 Vogg Branded Content
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