No século 19, Paraíba teve protótipo de fábrica de Cimento Portland
Unidade operou em 1892 e funcionou por 6 meses; descoberta coloca país como pioneiro na América Latina
Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), coordenada pelo engenheiro civil José Alysson Dehon Moraes Medeiros, revela que em 1892 operou na Ilha de Tiriri, perto de João Pessoa-PB, o protótipo de uma fábrica de Cimento Portland no Brasil. A unidade funcionou por 6 meses e faliu por causa de falhas na gestão e pela dificuldade na logística e na manutenção dos equipamentos, apesar de a região ser rica em calcário e argila – matéria-prima para a produção do material.
Documentalmente comprovada a existência da fábrica, ela coloca o país como pioneiro na América Latina em produção de Cimento Portland. No mundo, fica atrás apenas de países europeus e dos Estados Unidos. No entanto, a ABCP e o SNIC, por causa da longevidade na produção, reconhecem como a 1ª fábrica no Brasil a Companhia de Cimento Portland de Perus, em São Paulo-SP. A unidade iniciou as operações em 1926 e foi completamente desativada em 1987, conforme tese de doutorado apresentada na UNESP, em 2001.
A pesquisa coordenada por José Alysson Dehon Moraes Medeiros contou com uma força-tarefa formada por equipes do Laboratório de Tecnologia de Novos Materiais (Tecnom) da UFPB e especialistas em ciência forense. Descobriu-se que a fábrica da Ilha de Tiriri usou tecnologia alemã em seus fornos e foram coletados vestígios de cimento na área de 9 mil m2 que eram ocupadas pela fábrica. A investigação contou com recursos de fotogrametria aérea em 3D. As análises permitiram confirmar a fabricação de Cimento Portland no local.
Para José Alysson Dehon Moraes Medeiros, independentemente de a fábrica ter prosperado ou não, como a de Perus, não há como negar que a unidade de Tiriri foi a primeira a produzir Cimento Portland no Brasil, e na América Latina. “Apesar do termo ‘protótipo’, não foi isso que revelei na pesquisa. Para mim a fábrica não foi idealizada como um teste ou modelo para a construção de outras. Ela foi idealizada e construída para operar normalmente em escala industrial, ainda que pequena para a época”, afirma.
O estudo também serve de ponto de partida para outras pesquisas. Entre elas, sobre o envelhecimento do Cimento Portland e a evolução do material até os tempos atuais. “Isso é fantástico na ciência e torna as ruínas de Tiriri ainda mais especiais para este tipo de estudo”, diz o coordenador da descoberta. A pesquisa despertou o interesse de pesquisadores de países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Irlanda, Canadá, China, Austrália, China (Hong Kong) e Panamá. O orientador da tese é o professor Sandro Marden, chefe do Tecnom.
Investigações para comprovar a existência da fábrica na Ilha de Tiriri duraram 4 anos
As investigações para comprovar a existência da fábrica na Paraíba duraram 4 anos e a conclusão da tese muda o curso da história sobre a produção de Cimento Portland na América Latina. Antes, creditava-se a uma fábrica cubana de 1895 o pioneirismo dessa atividade no continente. Porém, ela entrou em operação depois da unidade paraibana, que produzia o “Cimento Portland Brazileiro”. O material foi usado em obras como a construção da cadeia pública de João Pessoa, reservatórios de água e na conclusão do teatro Santa Rosa.
Os pesquisadores defendem que a descoberta na Ilha de Tiriri seja reconhecida como sítio de arqueologia industrial e aceito no conjunto de patrimônios culturais do Estado da Paraíba. “É um bem que atende plenamente aos requisitos necessários para se constituir como parte integrante do patrimônio cultural, devendo, assim, receber o reconhecimento e proteção legais, visando sua preservação”, alerta José Alysson Dehon Moraes Medeiros.
Leia a tese sobre a descoberta da fábrica de cimento na Ilha de Tiriri
Veja a tese sobre a Companhia de Cimento Portland de Perus
Entrevistado
Reportagem com base na tese de doutorado “Cimento Portland na Ilha de Tiriri: História, Vestígios e Caracterização dos Materiais”
Contato
alysson.jadmm@gmail.com
Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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