Mineradores de areia tentam reinventar mercado

25 de abril de 2014

Mineradores de areia tentam reinventar mercado

Mineradores de areia tentam reinventar mercado 1024 681 Cimento Itambé

Produto, antes vendido por m³, agora é negociado por peso. Setor também ampliou preocupação ambiental e materiais alternativos tentam suprir demanda

Por: Altair Santos

Apesar de ser um dos que mais cresceram com o fortalecimento da construção civil, o setor de agregados, como areia e pedra brita, não está seguro. Falta de planejamento governamental e restrições ambientais estão empurrando a extração para cada vez mais longe dos grandes centros consumidores do país, o que tende a encarecer o produto.

Mineradoras têm procurado minimizar problemas ambientais e consideram mais justo vender areia por peso

Para se reinventar, o setor busca materiais alternativos. Entre eles, a areia de rocha ou a areia de resíduos da construção civil. Como em algumas regiões, principalmente as de Porto Alegre, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro, já existe pressão por demanda, a ANEPAC (Associação Nacional das Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil) entende que os organismos públicos deveriam ter uma política para a extração da areia, o que não ocorre. É o que explica o presidente do organismo, Fernando Mendes Valverde, na entrevista a seguir. Confira:

Como está atualmente a questão da produção de areia para a construção civil, fazendo uma abordagem de região por região no país?
Impossível avaliar região por região, devido à diversificação dos mercados e à enorme gama de produtores. De uma maneira geral, o setor de areia para construção civil teve uma retomada de crescimento a partir de 2004, com aumento consistente até o presente.  Novas obras públicas, aumento da renda e financiamento habitacional foram os principais fatores para a elevação do consumo. Atualmente, a demanda está alta face às obras de infraestrutura e habitacionais, por serem indispensáveis ao crescimento econômico do país. Podemos dizer que o setor vive um clima de bom desempenho devido aos investimentos públicos e privados em infraestrutura, embalados pelos programas governamentais e pelo crescimento da demanda habitacional, facilitado pelo crescimento de renda, o que proporciona crédito acessível para grande parte da população.

Existe risco de faltar esse agregado importante para a fabricação de concreto, sobretudo nas regiões que mais a consomem, como a sudeste, por exemplo?
Problemas de abastecimento de areia no Brasil, de momento, ainda não existem. Há pressões de demanda em alguns mercados expressivos, como ocorreu nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro. No entanto, em um cenário de longo prazo, com a persistência das condições atuais, poderá ocorrer agravamento de suprimento de areia em regiões de alta demanda pela ausência de mecanismos públicos de planejamento da atividade. Esses mecanismos correspondem, na maioria das vezes, à inclusão da mineração de areia no ordenamento territorial consolidados nos planos diretores municipais.

Fernando Valverde, da ANEPAC: planejamento da atividade e ordenamento territorial é estratégico para o setor e para o governo

Nos últimos anos, temos percebido o aumento na utilização de areia de brita, principalmente nos grandes centros urbanos. Há como quantificar em que volume esse material é usado?
De fato, tem-se ampliado nos últimos dez anos o uso de areia de brita ou areia de rocha, anteriormente designada por areia artificial ou areia manufaturada. É bom não confundir com o grupo denominado de areia industrial, que são as areias para a fabricação de vidro, fundição e outras finalidades para uso na indústria. Em termos quantitativos, estimamos que a demanda anual por areia de brita seja da ordem de vinte milhões de toneladas.

Aliás, qual é a diferença entre a areia de brita e a areia natural em termos qualitativos?
Areia de brita é resultado do beneficiamento do pó de pedra, com melhoria do formato – de bordas cortantes para a forma arredondada. Já as curvas granulométricas da areia de brita e da areia natural apresentam-se diferentes, sendo que ocorre uma porcentagem maior de ultrafinos (abaixo de 200#) na areia de brita. A dificuldade tecnológica existente é extrair economicamente os ultrafinos, seja em processos via seca ou via úmida.

Soluções como areia de brita e substituição da areia por resíduos de demolição são viáveis ou apenas paliativos?
Areia de brita e a areia natural, em termos qualitativos, se equivalem, sendo que as necessidades técnicas e econômicas determinadas pelo mercado definem qual deve ser a escolha. Já não é o caso da areia reciclada de demolição. Esta é normalmente contaminada com material cerâmico, plásticos etc, o que impede sua utilização em alguns usos, principalmente na preparação do concreto estrutural. Existem projetos acadêmicos que indicam possibilidade de utilização, mas cuja viabilidade econômica não permite sua utilização comercial.

A extração da areia e os conflitos ambientais que ela gera são o maior desafio do setor para conseguir com que a produção aumente?
Falta de planejamento é o grande problema do setor. O setor vem há muito tempo afirmando a necessidade de planejamento adequado para poder cumprir sua função social. Nosso setor, por atuar em ambiente urbano, disputa espaço com vários tipos de uso de solo, o que não ocorre na maioria das vezes com outros produtores minerais. Por este fato, o custo de transporte é fator limitante para nós. Não podemos estar longe dos consumidores. Há um discurso daqueles que se opõem à atividade, de que areia ocorre em qualquer lugar. Realmente, areia é abundante, mas não dá para pegar areia em Copacabana e levar para Belo Horizonte, nem de Santos para São Paulo, por exemplo.

Como desafio, por outro lado, seria o de reservar e proteger áreas em extração e potenciais para serem exploradas. Devemos reconhecer que os governos (no sentido genérico) estão ainda muito atrasados nesta questão. Em princípio, existe hoje o reconhecimento de que a mineração de areia é uma atividade importante para a melhoria do padrão de vida dos habitantes das cidades. Entretanto, institucionalmente, muito pouco foi feito. Ainda persiste entre os administradores públicos a noção distorcida de que os recursos de areia para a construção civil são abundantes. Prevalece o pensamento de que um porto de areia não passa de um estorvo. Quanto mais longe estiver dos olhos dos cidadãos, melhor. Se o problema deve existir, que seja com o vizinho, e por aí afora. Ao contrário de outros países, não temos levantamentos sistemáticos de recursos de areia, nem se planeja executá-los. Não há preocupação em solucionar os entraves legais e burocráticos à atividade. Em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, o problema se tornou grave na década de 1970 e muito pouco foi feito para saná-lo.

Um outro problema muito sério é a questão dos reciclados. É importante ressaltar que o problema dos resíduos da construção civil é um problema da sociedade, com reflexos muito fortes nos municípios. Como todo material produzido é necessário dar uma destinação final para se fechar o ciclo, o setor está bastante preocupado, pois a solução passa por uma legislação que ainda não está clara, especialmente no que se refere à coleta e classificação dos resíduos.

Como solucionar esse problema a nível governamental?
A produção de areia nos principais mercados não atende à demanda e ela tem de ser trazida de outras regiões. Muitos municípios têm criado leis para impedir a instalação de novas minas e dificultando o funcionamento daquelas em operação. Há uma noção errada de que areia pode ser encontrada em qualquer lugar e ninguém aceita que exista uma extração no “seu quintal” (de NIMBY – Not In My Back Yard), como não aceitam feiras livres, cemitérios, ruas de lazer, lixões etc. Tudo isso encarece o produto, que tem de ser buscado cada vez mais longe. Portanto, o planejamento da atividade ou ordenamento territorial se afigura como estratégico para o setor e para o governo. Paralelamente, a racionalização do licenciamento ambiental deve urgentemente ser solucionado. Há uma enorme dificuldade para a obtenção das licenças municipais e ambientais. Quando se consegue, o tempo para a renovação não condiz com o volume de investimentos realizados.

Em resumo, o grande problema que existe hoje é a convivência com o entorno das minerações de areia causada pela falta de planejamento dos governos, especialmente o municipal, que é o responsável pelo uso do solo. A solução passa então pelos planos diretores municipais. Estes devem contemplar a mineração como atividade de uso e ocupação do solo como as demais atividades econômicas.

Há uma estatística de quanto é consumido de areia em todo o país, por mês ou por ano?
Segundo a Anepac/Sindipedras-SP, em 2013 a produção de agregados (areia e pedra britada somados) alcançaram a ordem de 770 milhões de toneladas (456 milhões de toneladas de areia e 314 milhões de toneladas de brita) ou seja, um crescimento de 7,59% em relação a 2012. Deve-se levar em conta que o crescimento do PIB no mesmo ano foi de 2,3%.

O Brasil importa ou já cogitou importar areia?
A areia é um produto mineral que deve ser extraído o mais próximo de seu ponto de consumo. Areia é relativamente abundante e barata. Custa de R$ 15,00 a R$ 20,00 a tonelada, para ser retirada dos portos de areia. Então, não se pode falar em importação de outros países. Trazer, por exemplo, areia do Rio Paraná para a região metropolitana de São Paulo é inviável economicamente. São 800 quilômetros de transporte. O mesmo pode ser dito do Rio Grande ou do Paranapanema. São grandes rios que estão nas divisas estaduais. Imagine então trazer de locais ainda mais longes. O limite de transporte por caminhões em países desenvolvidos não passa de 50 quilômetros. Em São Paulo, se transporta a mais de 100 quilômetros do seu ponto de extração. A areia passa de R$ 15,00 a R$ 20,00 para mais de R$ 60,00 e R$ 70,00 a tonelada, só por causa do transporte.

No Rio Grande do Sul, salvo engano, cogitou-se até vender areia por quilo por causa do risco de escassez do agregado. Isso, de vender areia por quilo, é uma possibilidade real?
A venda da areia por quilo ou ensacada é apenas uma conveniência de comercialização para, por exemplo, não deixar a areia empilhada, permitindo o acúmulo de umidade, e para liberação de vias de transporte interno.

O senhor sabe se há desenvolvimento de pesquisas, por exemplo, que permitem no futuro dessalinizar a areia do mar para que ela possa ser usada na construção civil?
Existem países, como França, Inglaterra e Japão, que utilizam quantidades consideráveis, devido à absoluta carência de produtos naturais. No Brasil, existem pesquisas e iniciativas neste sentido, desenvolvidas principalmente por técnicos do Departamento Nacional de Produção Mineral da Superintendência de Fortaleza, no Ceará. Porém, ainda incipientes, pois necessitam de viabilidade técnico-econômica para o aproveitamento além do que os depósitos no continente serem abundantes.

Entrevistado
Geólogo Fernando Mendes Valverde, especializado em economia mineral pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e pela Mc Gill University do Canadá. Atualmente, é presidente-executivo da ANEPAC (Associação Nacional das Entidades de Produtores de Agregados para Construção Civil).
Contato: fernando.valverde@anepac.org.br

Créditos Fotos: Divulgação/ANEPAC

Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330
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