Da teoria à prática, é hora de gerir resíduos da construção civil

9 de junho de 2009

Da teoria à prática, é hora de gerir resíduos da construção civil

Da teoria à prática, é hora de gerir resíduos da construção civil 150 150 Cimento Itambé

Consultor ambiental avalia que já se perdeu muito tempo para que esse tema seja levado a sério por governos, órgãos ambientais e empresas

Élcio Herbst: “O grande desafio é realizar a separação na própria fonte geradora”

Élcio Herbst: “O grande desafio é realizar a separação na própria fonte geradora”

Administrador de empresas, com especialização em gerenciamento ambiental na indústria, o consultor Élcio Herbst avalia que, com exceção de iniciativas em Curitiba e região metropolitana, a gestão de resíduos de construção e demolição ainda não saiu da teoria nas outras cidades do Paraná. Segundo ele, há uma boa parcela de responsabilidade das prefeituras em pôr em prática a resolução CONAMA 307. Na avaliação de Herbst, faltam incentivos e um atrelamento da situação ambiental à questão social. É o que ele revela na entrevista a seguir. Confira:

Desde julho de 2002 vigora a resolução 307 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que impõe regras para a gestão dos resíduos da construção civil, o que mudou desde então ou as mudanças ainda estão por acontecer?
Apesar da resolução CONAMA 307, o cenário da gestão de resíduos de construção e demolição (RCD) levou muito tempo para ser alterado. Por isso, até hoje, em algumas cidades, tem-se a impressão de que a norma não existe, pois se depara com total descaso diante da geração de RCD, não sendo observada a destinação ambientalmente correta dos diferentes tipos de resíduos que compõem este grupo.

O que emperra a gestão de resíduos da construção civil: os governos, que não estimulam a gestão; os órgãos competentes, que não fiscalizam, ou as construtoras, que alegam gastos extras para viabilizar a gestão?
Na verdade, todos os atores envolvidos têm sua parcela de responsabilidade. Por parte dos governos municipais, muitos não elaboraram leis específicas, conforme preconiza a resolução CONAMA 307, ou seja, o Programa de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil (PGRCC) não foi trabalhado, aliado às dificuldades de fiscalização pelos órgãos governamentais. Ressalta-se a responsabilidade das prefeituras para o gerenciamento de RCD oriundas dos pequenos geradores, que em muitas situações também foram omissas. Há poucas opções de unidades de processamento dos RCD no Brasil e isso acaba sendo um obstáculo para a destinação correta dos resíduos classe A (resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados), segundo o CONAMA 307, fazendo com que estes materiais sejam dispostos em qualquer lugar, inclusive encostas, beiras de rios, provocando poluição e assoreamento de rios. Além disso, muitas construtoras ainda não descobriram os reais benefícios da aplicação da gestão de resíduos, que além de todos os benefícios ambientais ainda pode resultar em ganhos econômicos, pois a partir do momento que se agrega valor a cada tipologia de resíduo ela passa a sofrer uma destinação mais nobre que o simples ato de aterrar. Nesse âmbito, destacam-se os ganhos com a reciclagem, diminuição de caçambas com resíduos para aterros e principalmente a menor vulnerabilidade dos geradores quanto às possíveis penalizações legais. Infelizmente, muitas construtoras ainda têm a visão errônea de que a questão ambiental, mais especificamente a gestão de resíduos sólidos, é um empecilho a mais no processo de construção.

Em tese, a quais sanções estão propensas as empresas que não fazem a gestão de resíduos?
Dentre os principais mecanismos legais destaca-se a lei 9605/98 (Lei de crimes ambientais), a qual define como responsabilidade administrativa multas que vão desde R$ 500,00 à R$ 2 milhões, dependendo da gravidade do crime. Tem também a responsabilidade criminal, com a reclusão de um a quatro anos – conforme descrito nos artigos abaixo:
Artigo 56 – Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito substância tóxica, perigosa ou nociva ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.
§ 1 – Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidas no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.

O que precisa ser feito para tornar viável a gestão de resíduos da construção civil?
Cada ator envolvido (gerador, governo, iniciativa privada) deve fazer a sua parte. Ou seja, as construtoras devem não apenas apresentar seus projetos de gerenciamento de RCD, mas colocá-los em prática, evidenciando as ações de gestão dos resíduos. Por sua vez, as prefeituras, através das secretarias de Meio Ambiente e Urbanismo devem, além de gerenciar os resíduos dos pequenos geradores, lavrar normativas específicas que complementem a resolução CONAMA 307, procedendo a fiscalização dos grandes geradores (construtoras). Todavia, uma questão merecedora de maior atenção diz respeito à utilização do material agregado, oriundo do processamento do resíduo classe A (cimento, argamassa, cerâmicas, etc), que pela falta de demanda vem desestimulando a continuidade da atividade de processamento/reciclagem dos resíduos, assim como desmotiva a abertura de novos empreendimentos no setor. Nesse sentido, faz-se necessário a criação de incentivos para o incremento na utilização dos materiais agregados, destacando-se o papel do governo. Ele poderia captar boa parte desses materiais para utilização em obras públicas. Para permitir esta prática, regras e leis devem ser estabelecidas. A partir do momento que este segmento da reciclagem de RCD for fomentado, haverá maior fluxo de materiais e produtos finais, reduzindo os custos para todos os atores e promovendo o incentivo à destinação correta.

Se nada for feito, qual o cenário para essa quantidade de lixo oriundo das construções?
Hoje, a parcela de RCD corresponde a mais de 50% do total de resíduos urbanos. Não podemos mais conceber como destino final o aterro para os resíduos de construção e demolição classe A. É preciso prolongar o ciclo de vida dos mesmos, evitando novas áreas para bota-foras ou aterros específicos. O agravante, quando não há um bom processo de gestão, é que juntamente com os resíduos, a princípio considerados inertes, também podem existir outros resíduos com características de periculosidade (exemplo: restos de tintas e produtos químicos), trazendo riscos de contaminação do solo ou do lençol freático, provocando verdadeiros passivos ambientais. O que presenciamos durante muitos anos, e ainda é uma realidade, é o problema do assoreamento dos rios diante de destinações ambientalmente inadequadas.

Algumas prefeituras estão se preocupando e construindo usinas de reciclagem de resíduos da construção. Um bom exemplo ocorre em São Carlos-SP, onde a prefeitura local bancou uma usina e emprega detentos em sua operação. Esse é o caminho?
Por que não? Como já mencionei, as prefeituras são responsáveis pelo gerenciamento de RCD dos pequenos geradores, no âmbito do Programa Municipal de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil. Outras prefeituras também já encontraram alternativas interessantes para promover a logística de transporte e processamento dos resíduos, como é o caso de Belo Horizonte, onde são credenciados transportadores, inclusive carroceiros para o transporte de pequenas quantidades, licenciamento de áreas de transbordo e usinas de processamento. Além das iniciativas das prefeituras, também é necessária a participação da iniciativa privada, criando unidades de processamento para os grandes geradores, desde que o mercado para aplicação dos materiais agregados seja aquecido.

Como estão Curitiba e as principais cidades do Paraná nessa questão?
A Região Metropolitana de Curitiba já dispõe de unidades de processamento de RCD, as quais recebem os resíduos classe A, transformando-os em agregados, tais como areia, pedrisco, brita 0, 1, 2, 3, etc. Isso pode ser reutilizados nas obras, desde que não seja de aplicação estrutural. Em Ponta Grossa também existe uma unidade de processamento de RCD, porém o que se observa na maioria dos demais municípios paranaenses é uma lacuna neste setor, inexistindo usinas para o processamento do resíduo em questão, até mesmo por parte das prefeituras.

Uma alegação de quem recolhe esses resíduos – o pessoal das caçambas – é que junto com os resíduos vêm muito lixo doméstico e outros entulhos. O pessoal vê a caçamba e joga o lixo. Procede isso? Como fazer para evitar que isso ocorra?
Este é um problema cultural e de resolução mais difícil, principalmente quando a caçamba fica exposta e não restrita, onde a própria vizinhança se encarrega de contribuir com diferentes tipos de resíduos, prejudicando todo o processo de separação e reciclagem. Algumas transportadoras adotaram áreas de transbordo onde é realizada uma separação secundária dos resíduos classes A, B, C e, posteriormente, encaminham para o destino final. Porém, não é o ideal. O grande desafio é realizar a separação na própria fonte geradora. Para as obras de maior porte, onde os transeuntes não têm acesso às caçambas, a questão primordial é a realização de treinamentos entre os colaboradores do canteiro de obras, observando que o plano de treinamento deve ser realizado de forma contínua, considerando a rotatividade de pessoal existente no setor de construção. Nos projetos de gestão de resíduos de construção civil, o programa de treinamento deve ser contemplado. Para a elaboração e implementação dos projetos, ou mesmo na realização dos treinamentos, a construtora pode realizar de forma autônoma ou recorrer às empresas que prestam serviços de consultoria ambiental.

Como funciona no exterior a gestão de resíduos da construção civil. Há bons exemplos que podem ajudar o Brasil?
O modelo é a Alemanha, onde existem usinas para o processamento dos resíduos de construção antes mesmo de o Brasil sonhar em lavrar qualquer lei pertinente ao assunto. Além das usinas de processamento de resíduos, lá também é muito comum, e aí inclui outros países europeus, a doação de restos de materiais de construção, os quais são direcionados para centrais de distribuição, com o apelo social. Nesse campo, vale salientar uma experiência iniciada pelo Sistema FIEP no PR (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), que diz respeito à criação de uma bolsa social de materiais de construção civil, com o objetivo de captar materiais e sobras de construções e viabilizar a doação à Instituições carentes. O que se observa em todos os países, é que a situação ambiental vem sempre atrelada à questão social. Isto é uma tendência, um caminho sem volta, rumo ao processo de sustentabilidade das organizações.

Há um ranking ou uma lista positiva de construtoras que já fazem o Programa de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil de forma adequada? O senhor poderia citar alguns bons exemplos?
Infelizmente, ainda não são muitas as empresas que implementaram o PGRCC de forma efetiva na Região Metropolitana de Curitiba. Entre 2007 e 2008, o SENAI-PR, em conjunto com o SEBRAE e o Sinduscon-PR, através do programa “Construindo o Futuro”, contemplaram 21 construtoras com consultoria técnica para a elaboração do PGRCC, identificação e avaliação de potenciais receptores de resíduos, elaboração de um manual técnico, bem como treinamentos e ferramentas para uma efetiva gestão dos resíduos. Uma das empresas que vem se destacando em Curitiba é a Construtora Héstia, a qual conseguiu perceber todos os benefícios advindos da gestão de resíduos, no âmbito de uma construção sustentável. Os próprios colaboradores passam a trabalhar de maneira mais positiva em uma empresa que demonstra a responsabilidade sócio-ambiental.

Como órgãos como CREA e Sinduscon avaliam essa questão dos resíduos e o que eles estão fazendo para ajudar a solucionar o problema?
No caso do CREA, este pode estar auxiliando no processo de orientação das empresas, no sentido delas implementarem o PGRCC. No tocante ao Sinduscon, no caso de Curitiba, ele vem participando para repassar as informações para o maior número possível de empresas, através de palestras, cursos, além de firmar parcerias para a elaboração e implementação do PGRCC. Outra questão discutida com o Sinduscon é a possibilidade do sindicato buscar as opções para a destinação dos resíduos sólidos de construção, para minimizar os riscos de co-responsabilidade sobre destinações finais indevidas. Nesse caso, o sindicato faria o papel de intermediação, fornecendo as informações para todos os filiados, a partir das avaliações técnicas (auditorias) junto aos receptores. Outra questão é a necessidade de criar pequenas unidades de transbordo para alguns resíduos críticos, como é o caso do gesso (classe C), permitindo volumes mais expressivos, face às poucas opções de tratamento e que muitas vezes não apresentam viabilidade econômica, em função das gerações em pequenas quantidades e distantes do receptor final.

E as indústrias que produzem material de construção, de que forma elas poderiam ajudar nesse processo?
As indústrias, apesar de ainda não terem a obrigatoriedade de receber de volta parte dos resíduos, inclusive embalagens dos produtos, seria interessante, e até mesmo para fidelização da clientela, praticar a política de recebimento de determinados resíduos, como por exemplo o caso dos resíduos de tintas. Esta política deve ser mais exercitada, pois trás amplos benefícios. Nesse contexto, a política nacional de resíduos sólidos, a qual tramita no legislativo há 15 anos, e que muito em breve, espera-se, seja colocada em prática, trará grandes mudanças na logística reversa dos materiais, estabelecendo as responsabilidades de todos os atores envolvidos no processo. Além disso, outras iniciativas podem estar sendo trabalhadas. Neste caso, São Paulo saiu na frente e lá a indústria cimenteira tornou-se parceira de uma empresa de reciclagem de papel oriundo de sacos de cimento, sendo que a mão de obra é dos detentos de penitenciárias daquele estado. Este projeto é viabilizado através do FUNAP – Fundo de Amparo às Penitenciárias de SP.

Email do entrevistado: Élcio Herbst, especialista em gerenciamento ambiental e atualmente gerente do SENAI-SJP: elcio.herbst@pr.senai.br

Jornalista responsável – Altair Santos MTB 2330 – Tempestade Comunicação

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